27.3.11

a felicidade nunca acaba

Se você pensava que o humor negro havia acabado, tenho o grande prazer em informá-lo que não, hoje notificaremos o seu retorno por meio de alfinetadas e rumores de guerra. Aquele teor satírico de Todd Solondz está de volta! Agora, é possível afirmar que, segundo o dito-cujo, a felicidade nunca acaba. E após esta, o que vem? Após a felicidade vem a guerra, e mais uma vez iremos conhecer caricatos e infelizes personagens, que desta vez anseiam ser perdoados em uma agridoce tragédia chamada “A vida durante a guerra” | Life during wartime – 2009 |.


O roteiro deste trabalho baseia-se em uma idéia originalmente apresentada por Todd em 1998, no memorável filme Happiness. Joy, Trish, Bill, Allen, Helen resolveram dar novos passos em suas vidas. É o tempo de recomeçar e o lema de Joy | Shirley Henderson | passou a ser perdoar e esquecer. Não importava-lhes os infortúnios passados, pois novos tempos adviram, nos quais acreditavam ser capazes de reconquistar antigos amores e alcançar novos modos de ser feliz.

Tratando-se de uma nova etapa, será oportuno mostrar como emocionalmente se encontravam os nossos idílicos personagens. Vamos à um breve panorama daqueles supostos-sujeitos-felizes conforme o percurso de Happiness aos dias de guerra.


Joy, uma fia nomeada por uma felicidade inalcansável. Nos últimos anos trabalhou com presidiários e casou-se com Allen | Michael K. Willians |, um viciado em conversações eróticas via telefone que nos últimos tempos envolveu-se em inúmeras tentativas afim de mudar a sua vida. Eles dialogavam sobre a atual condição de seu matrimônio, sobre as lutas que haviam enfrentado e sobre a possibilidade de um recomeço.


Helen | Ally Sheedy | havia desistido dos escritos poéticos sobre jovens que foram estupradas. Durante estes anos, ela afastou-se da família, e afirmava: “senti-me esmagada pela enormidade do meu sucesso”.


Trish | Allison Janney | mergulhava em um novo relacionamento. Desta vez, um parceiro com maior experiência de vida, com referenciais judaicos e segundo ela, tão normal. Eles riam descaradamente, embora sem motivo aparente. O seu filho mais velho, Billy | Chris Marquette |, estava na faculdade cursando Antropologia, e os mais novos Timmy | Dylan Riley Snyder | e Chloe | Emma Hinz | moravam com ela. Embora se apresentasse enquanto viúva, o seu esposo Bill | Ciarán Hinds | não havia falecido. No final de Happiness, ele havia sido preso após a acusação de envolvimento sexual com dois garotos da faixa-etária em torno de 12 anos. Os filhos mais novos acreditavam que seu pai havia morrido. No entanto, a certeza deste fato foi abalada após a descoberta de Timmy sobre a existência de seu pai, que provocou-lhe furor e ansiedade. Afinal, que pai era este? Para a sociedade local, um estuprador em série – pervert serial. Sendo assim, caberia a Trish apresentar este pai simbólico, numa tentativa de reparação que visava o perdão do filho, após todos estes anos de silenciamento.


Após alguns anos na prisão, Bill foi dispensado e poderia, na melhor das hipóteses, reencontrar uma vida passada. Sendo assim, ele foi a procura de sua família, na busca por um saber desconhecido. Aparentemente, sua condição humana mostrava-se abalada pela ausência dos entes queridos, acompanhada da vergonha em olhar para aqueles que sabiam de seu passado. Ele sentia-se atormentado pelo sentimento de culpa não somente em virtude do ato censurável, mas possivelmente, pelo prazer obtido durante o contato sexual com aqueles meninos.

No decorrer do roteiro, as histórias subjetivas se interligação, as personagens se relacionarão entre si formando uma cadeia de sentimentos, falas e percepções sobre suas vidas passadas. A ausência de perdão pode ser tida como a causa norteadora que determinava os modos de relação daqueles indivíduos.


O perdão é simbolizado no filme por meio de uma tulipa vermelha que Timmy segurava em um parque. Esta imagem era construída mentalmente por Bill no decorrer de seus devaneios e, primeiramente, mostrava-se bastante difusa, até obter total nitidez em sua última aparição, revelando um significado. No entanto, o sonho de Bill em ser perdoado somente se concretizava em um pensamento alienante. Observem que no pensamento havia o desejo de reparação, enquanto na vida, o mal estar e a desconfortável realidade da guerra.


Todd insiste em afirmar a existência de uma vida durante a guerra, mas de que vida e guerra se tratam? A vida pode ser entendida enquanto a passagem daqueles sujeitos pela opressão do existir em sociedade. Diz respeito às inúmeras tentativas de encontrar sentido para um existir, em buscar meios de ser feliz e fórmulas para atenuar o sofrimento físico e psíquico. A guerra, por sua vez, tem um caráter simbólico e pode ser interpretada a partir da luta interna do sujeito contra um desejo inconciliável aos valores morais internalizados. Viver durante a guerra é lutar constantemente contra a angústia do próprio existir, é deparar-se com a afronta do sentimento de culpa e tentar conciliar a força deste sentimento com a intensidade das pulsões que visam encontrar satisfação.


Seria a vida mais agonizante do que a guerra? Para o diretor, viver é tão agonizante quanto estar em uma guerra, pois “perdoar e esquecer” é uma ilusão. A dificuldade em perdoar está relacionada à insuficiência das tentativas humanas em esquecer os erros cometidos pelo outro. E sendo assim, a ausência de perdão é capaz de intensificar a auto vigilância do sujeito diante de novas possibilidades de erro. Nesta ótica, a sociedade seria uma espécie de comunicação coletiva entre aqueles não-perdoados, e que, por sua vez, também não perdoam.


A felicidade nunca acaba e a guerra continuará. Embora pareça-nos contraditório, esta afirmação reflete os pontos de vista de Todd que postula a continuação da guerra e da felicidade. Ainda que de modo difuso, a imagem de uma tulipa nas mãos de uma criança, e o desejo de reparação permanecerão inconscientemente sobre o sujeito. Haverá um sonho acompanhado de uma promessa social para mudanças, “o vermelho para o amor e o branco para se desculpar”, conforme foi dito. Será uma ilusão? por ora, resta-nos portanto, uma certa sensação agridoce e uma sutil indignação diante desta contrastiva forma de fazer e viver guerras.

Abraços,

Renato Oliveira

17 comentários:

renatocinema disse...

Adorei "Felicidade". Consegui uma cópia dessa nova produção na sexta-feira.

Assim que assistir, voltarei aqui para ler seu texto e dar minha opinnião.

Abraços

M. disse...

Oi Renato!

Amei essa super análise que você fez. O filme está na listinha dos que devo ver ainda este ano de 2011.
Um grande abraço.

Valéria lima disse...

Gosto muito de filmes de superação.
Quero ver!

BeijooO*

Anônimo disse...

Olá Renato, obrigada pelo comentário. Realmente Jung é maravilhoso.
Parabéns pelo seu blog. Sempre dou uma passadinha pra olhar.
Fiquei honrada com sua visita, abraço Cynthia.

Anônimo disse...

Não sou muito chegada em humor negro, mas diante da sua analise do filme...com certeza vale a pena coloca-lo na minha listinha de filmes pra ver no final de semana!
bjossssss

Paulo disse...

Um blogue interessante. Sem dúvida.
Abraço
Paulo
PORTUGAL

Anônimo disse...

Olá passando para retribuir a visitinha, e agradecer pelo recado. Parabéns pelo seu trabalho. Desde já serei teu seguidor.]

Abraços!

NOEMI disse...

amei seu blog!!por demais interessante.
tim...tim..

Francys Oliva disse...

Não tive a oportunidade de assistir parece bastante interessante. A vida é uma constante"guerra" de ilusão e desilusão.
bjs

Erica Vittorazzi disse...

Vivemos sim, em uma constante guerra com os nossos fantasmas.
Perdão é tão filosófico... e a minha teoria para ele é: perdoar não é carregar com você todos os dias algo que te fez mal, mas não necessariamente esquecer. Complicado, eu sei.
Acredito em segundas chances, em mudar histórias, mas para isto tem que se desfazer tantos significantes/significados. Tem que se desfazer todo aquele ponto de amorfo (lembra?)e isto é tão difícil e doloroso. Só alguns 'soldados' conseguem, pois é difícil lutar contra alguns fantasmas.

beijo grande!!

Évelyn Smith disse...

Olá querido e caríssimo Renato!!! Saudades de ti! ;-)

Agradeço imensamente pelo seu comentário em meu blog e por ter se lembrado da minha pessoa ao comprar um livro... Rsrs... Isso muito me agrada!

Olha um erro de português no que eu escrevi no último comentário: "Na verdade nem SABEM que existe vocação..." Esqueci de pluralizar... Rsrs...

Eu só irei atualiar o meu blog no feriado em teremos agora em Abril. Não se esqueça, uma vez por mês! Hehe...

Amei está resenha! Linda! De fato, viver em meios de guerra é lutar contra os sentimentos de reprimem o ser humano... A pulsão quer encontrar algum afeto, logo, alguma representação que satisfaça toda a trajetória do mesmo. Quanto menos pulsão tivermos, mais realizados estamos com nós mesmos. E vivemos nesta contradição, buscar a felcidade em tempos tão difíceis... Acredito que o filme vem traduzir as nossas ações triviais.

Querido, estou em épocas de provas! Até agora fui bem! Tenho certeza que fui muito bem em Humanismo e ontem tivemos Técnicas Projetivas, não fui tão bem assim por causa de uma questão que ninguém da minha classe sabia responder... Cada um respondeu uma setença diferente. Encontramos um erro na questão, tomara que seja anulada! E hoje... Tenho a TEMIDA prova de Psicanálise! Pois é, a turma da manhã já fez esta prova ontem e nos disseram que todas as questões têm que ser justificadas, acredita... Todas, até as de marcar com um X... Bom, estou amando as aulas de Psicanálise e a professora mais ainda, já tive Ética com a mesma e sempre gostei do seu modo de ministrar as aulas e o seu domínio nos conteúdos. O Siginho era tão humilde, nunca parei para pensar no quanto ele era bom, a sua essência continha algo muito peculiar sobre a caridade. Ah, depois vou te mandar uma resenha que fiz sobre a Segunda Lição, foi um trabalho para compor a nota da primeira prova. Amei a Segunda e a Quarta Lição... Esta então é muito boa, mesmo! Rsrs...

Então, é isso! Depois a gente se fala mais, acredito que você também deve estar em épocas de provas e seus estágios devem estar a mil por hora!

Tudo de bom, querido! Até mais ver! Que Deus ilumine os seus projetos!

Beijo,
Évelyn

M. disse...

Renato!

Gostaria de publicar no Sala Latina com os devidos créditos, aquele seu texto "Tudo Sobre Linguagem" sobre aquele filme de Almodóvar, "Tudo sobre minha mãe". Só preciso de seu sinal verde. Abraço e bom fim de semana!

Zé alberto disse...

Oi Renato,
Sua análise desta vez aborda algo particularmente curioso, porque adverso (a felicidade em tempos de conflito exterior.
Merece-me pois uma leitura posterior, que farei nos próximos dias.
Meus parabéns continuados pelo seu excelente e determinado trabalho!

abraço!

Anônimo disse...

Qdo quero sabe das novidades do cinema, procuro pelo melhor: teu BLog!
Amo tuas analises, e depois de assistir a 4 dicas tuas,percebi que as analises são tão barbaras qunato o filme. Este eu vou por na listinha também!
bjosssssssss

Elaine Crespo disse...

Oi! Renato!

Adorei o seu blog. Sou cinéfila e cinema é minha fuga do real. Adorei a sua maneira de fazer a postagem do filme, muito própria e peculiar.
Eu tenho um blog de cinema, mas minhas postagens retratam minha relação pessoal com o filme em termos de emoção e identificação. Sendo assim só posto filmes que gosto. No mais posto lançamentos ou curiosidades.

Meu post sobre Chaplin é porque hoje séria aniversário dele, se ainda fosse vivo.
Mas adorei a visita e o teu blog, parabéns e continue assim que quanto mais informação melhor para esta que é a minha arte favorita.

Um lindo fim de semana!

Beijos meus.

Elaine

Unknown disse...

Renato,
seu blog é muito interessante e bem escrito. Parabéns pelo trabalho!
Já estou te seguindo.
Um abraço
Daniele Moura

www.telaprateada.blogspot.com

Daniel disse...

E quem não busca,
dia a dia
renovar o seu amor
em uma busca incansável?
Seu blog
cada vez me surpreende mais!!!

Dan