11.9.10

Construindo casas e pesadelos

Lar doce lar. Em outra situação, eu procurei mostrar que o super encantamento da família perfeita não se sustenta mais. Falava sobre ironia, sarcasmo e distinção de amor entre os filhos. Hoje, vou apresentar um filme que aborda os papéis familiares e a loucura que pode ser produzida neste núcleo chamado família. As primeiras cenas repercutiriam uma ótima manchete de jornal: “um pai abandona os filhos e foge de casa”. É necessário complementar, dizendo: “Um pai mata os filhos e esposa e foge... como se nada houvesse acontecido”.


Algo aconteceu. Havia um autor em questão. No início de “O Padrasto” | The Stepfather – 1987 | encontramos um homem em transformação: um novo estilo de cabelo, roupas, lentes de contato e uma sutileza na fala que o faria irreconhecível em um novo lugar. O pai-assassino encontrou um novo lar. Um ano após o assassinato, Jerry Blake | Terry O'Quinn | anunciava a sua chegada. Após deixar aquela casa anterior, ele arrumou um novo emprego e uma nova família para se integrar, composta por uma mãe viúva e sua filha. Nesta família, Jerry representava a perfeita figura de autoridade que prezava pela união e harmonia entre os três. Mas, apesar de todo seu esforço, ele não foi capaz de conquistar a jovem Stephanie | Jill Schoelen |, a qual mostrava desconfiança e hostilidade pelo não-saber que Jerry lhe despertava. Havia algo que a perturbava, mas que em sua fala não era capaz de ser descrito, uma hostilidade sem causa, digamos assim.


Observem que Jerry possuía uma curiosa obsessão: a família. Os seus interesses circulavam em torno da noção de família e de lar. Vejam: ele deslocou-se de uma família a outra, trabalhava como corretor de imóveis e nas horas livres construía casas para pássaros. Mas, quem era este homem? Ou melhor: “quem sou eu aqui?” conforme ele próprio se questionou. Há uma ambivalência presente o tempo todo: Jerry amava a constituição da família e visava destruí-la. Ele trás uma fala interessante: “o pai sabe o que é melhor”. Jerry colocava-se em um lugar de saber, e ao inserir-se nesta família, ele assumiu uma posição de autoridade, acreditando ser possível manipular um poder em relação ao outro.


Ao observar suas ações, poderíamos considerá-las próprias da lógica do sujeito na perversão, mas isso é bastante discutível, pois suas trangressões eram acompanhadas de episódios delirantes e alucinatórios. O psicótico também é capaz de burlar leis afim de sustentar seu próprio desejo. O que os diferencia é a relação com a lei e o modo de elaborar a experiência de castração, e no caso do psicótico, esta experiência não chega a ser elaborada na fala, há uma recusa. As alterações de personalidade de Jerry não eram ao acaso: elas visavam vivenciar uma experiência nova. O seu próprio questionamento “quem sou eu aqui?” retrata uma identidade confusa e uma incerteza quanto à sua função naquele local. O lugar de pai ou padrasto consistia numa fantasia delirante e muito provavelmente apontava o fracasso da experiência de castração. Havia um vazio que precisava ser elaborado, e tanto a fantasia quanto o delírio eram tentativas de cura, sendo meios de estabelecer elos com uma realidade além de sua fantasia. Jerry mostrava uma tolerância muito baixa à frustração, algo característico da psicose. Os seus intensos momentos de fúria eram despertados por qualquer fala que questionasse a sua posição paterna e a perfeição da família americana, pois o remetiam ao enigma de um conflito anterior.


Ao transitar de uma família para outra e provocar os mais horrorosos atos, havia algo que Jerry queria elaborar, ainda que a custa de colocar o outro na condição de objeto. Muito provavelmente, ele buscava reconhecer-se no lugar que lhe faltou e frustrava-se diante da impossibilidade de atingir este ideal. Doces lares, mas com curtíssimos prazos de validade.

Abraços,

Renato Oliveira

19 comentários:

Zé alberto disse...

Olá,
Renato, ta uma manhã de Domingo calma e prazeirosa, aproveitei então para ler o seu post, sempre repleto de um saber profundo acerca dos circuítos do subconsciente, saber que me fascina.

Além dos 2 blogs em que colaboro, criei o meu blog:
http://ailhadoze.blogspot.com/

Renato, terei o maior prazer em receber a sua visita e suas impressões.

Abraço!

Ábia Costa disse...

Oi Renato, como estás meu bem?
muito interessante este filme, principalmente a questão que vc coloca de que ele "ama a instituição família e tenta destruí-la" e essa busca de identidade dentro da própria instituição...muito interessante mesmo, vou procurar para assistir (se eu tiver tempo,rs, mas a gente dá um jeito, neh não? rs)

ah mininu...me deixaste curiosa,rs
enfim...espero seu contato.
mil bjinhus, é sempre um prazer ler o que vc escreve...

boa semana ;)

disse...

É incrível mesmo o que a mente humana é capaz de criar e mais incrível ainda são essas pessoas que assim como você se dedicam a estudá-la a fundo fazendo sempre novas descobertas e chegando a novas conclusões porque a mente humana é uma caixinha de surpresas!
Tô com um novo blog o Canal 1 ó http://apcanal1.blogspot.com/2010/09/saude-mental-e-espiritual.html passa por lá se tiver um tempinho beijoo

Franck disse...

Obg pelas visitas... Lendo esse post, o filme é um verdadeiro questionamento psicológico... Tenho que colocar como os filmes que tenho que assistir...
Uma boa semana! Abçs!

Erica Vittorazzi disse...

Renato, que texto, que filme heim!!!

Fiquei viajando aqui, imaginando como ele (não)lidou com a Lei, com o Nome do Pai.

'O lugar de pai ou padrasto consistia numa fantasia delirante e muito provavelmente apontava o fracasso da experiência de castração'- esta sua frase fala tudo.

Para mim, ele é psicótico. Não há lei para ele e interessante como o significante casa- lar, é forte : vende casas e constrói casas.

O ser humano é surpreendente, não?

Beijos

Insana disse...

Construa viva e só depois defina o que é.

bjs
Insana

M. disse...

Oi Renato!

Que maravilha de análise! Adoro vir aqui e ter uma outra visão das histórias apresentadas nos filmes. Esse filme apesar de antigo nunca o assisti. Taí a dica. Um abração e até próxima.

Carolina disse...

Oi Renato,que interessante deve ser este filme.Não vi,mas já está na minha lista pra busca na locadora.

Estórias de psicopatia me interessam,suas repetições e pulsoes,scripts caribandos.
Você já leu Precisamos falar sobre Kevin? É um prato cheio para a reflexão e o estudo.

bjos queridos pra ti!

Évelyn Smith disse...

Olá caríssimo!
Obrigada por "articular" em meu escrito! Comecei a desenvolver sobre a minha teoria, ou tese, ou hipótese, enfim... Ainda estou estudando e fazendo alguns esquemas.
No sábado teve um debate super demais na minha faculdade. Vimos um filme e teve uma discussão. O filme foi "Spider - Desafie Sua Mente" e o debate foi sobre os psicóticos. Já viu este filme? Ou já fez alguma resenha dele? Me interessei ainda mais no trabalho de AT (Acompanhamento Terapêutico), onde se trabalha com psicóticos. Ainda mais por ter muito sobre as teorias da Psicanálise neste tipo de trabalho.
É isso. Tudo de bom pra você!

Beijos,
Évelyn

Valéria lima disse...

Um filme e tanto. Pretendo assistir.

BeijooO*

Anônimo disse...

Oi Renato...,

Que surpresa agradável, ao lhe ver em meu blog!!
Pois é, este filme aqui não me chamou à atenção, bem na verdade. Claro, todo filme diante de suas críticas, tornam-se mais apreciáveis. No entanto, meu "astral" não está combinando com o estilo dele. Ou seja, não fiquei com vontade de assistir.

Beijos e boa semana,

Me permita disse...

Olá, meu caro! Teu blog sempre é fonte de boas indicações e ótimos comentários e reflexões do que há de bom no cinema! Ultimamente o tempo tem me afastado do blogger, mas nunca perderei os laços que nos unem por aqui! Logo estarei com uma nova postagem!

Valeu!

Juci Barros disse...

Gostei das fortes expressões do ator, são daquelas que nos marcam...
Beijos e obrigada pela dica lá no blog, vou ver.

chuck large disse...

Oi Renato. Muito bacana seu texto, ainda não vi "O Padrasto" mas nos últimos dias tenho ouvido falar bastante, principalmente do remake que foi lançado recentemente.
A história em si, é muito chamativa, sempre gostei de personagens "psicopatas" por mais que seja uma realidade dura, é bem ... prazeroso (?) hehehehe

Abs.

Anônimo disse...

Já li histórias de psicopatia parecidas com a deste filme, logo despertou meu interesse, pois me interesso muito por coisas que envolvam a psicanálise.
Gostei da recomendação.

Érica Ferro disse...

Que sujeito "psicopático".
Hm. Gostaria de ver esse filme.

Adoro suas resenhas, sério. Não canso de falar-lhe isso.

Um abraço.

Sônia Pachelle disse...

Olá Renato,

Esse filme no meu modo de analisar os fatos, apresenta " um profundo mistério da mente humana"

Beijos.

Faça-me uma visita!! será um prazer.

Anônimo disse...

Oi , Renato ,

Super legal seu blog .
Parabéns mesmoooo !!!!


Bjo.

renatocinema disse...

A participação de "Jonhn Locke", de Lost nesse filme me obriga desesperadamente a assisti-lo. Estou curioso.

Vou tentar encontrar. Abs