23.9.10

Eu vi o que você fez

Desde criança aprendemos: “Nunca conte o final do filme, nem sequer partes reveladoras”. Mas, quem nunca gostou de fazer isso? Eu mesmo cometi este pequeno ato falho descuido na análise de Bem me quer, mal me quer, quem lembra?

Afim de mostrar alguns elementos da psicanálise presentes em filmes, se faz necessário revelar algumas particularidades do roteiro. O trabalho do diretor Alfred Hitchcock é conhecido, visto e bastante comentado até hoje. Sempre será. Afinal, ele conseguiu imprimir sua marca e se destacar pelo modo de manejar o suspense. Psicose | Psycho – 1960 | é incrível. Mas, para fazer a análise que pretendia, destacando elementos da estrutura psicótica em Freud, eu necessitaria comentar sobre as falas finais. Resolvi subverter, logo, a solução encontrada foi a seguinte: abordarei a história enfatizando a personagem Marion | Janet Leigh |, procurando mostrar o conflito a partir das experiências que esta fia teve.


Em um quarto de hotel, Marion e Sam | John Gavin | conversavam sobre a insatisfação com as limitações de suas vidas, mostrando um desejo inicial em querer casar-se e construir uma vida juntos. Após a despedida, tudo voltaria ao ritmo cotidiano: Marion iniciou mais uma tarde de trabalho, que até seria comum a qualquer outra se não fosse a chegada de um super cliente de seu chefe que lhe delegou a responsabilidade em depositar 40 mil dólares na conta da empresa. 

Vejam o roteiro que Marion elaborou: “dor de cabeça + fazer o depósito bancário = poder ir para casa descansar”. Muito bem elaborado. Mas o depósito não ocorreu. Marion roubou este valor e ao tomá-lo para si, decidiu fugir solitariamente.


Na realidade, ela não estava só. Todo o seu trajeto seria marcado por um suposto olhar do outro: de um chefe, um policial, um desconhecido, etc. A história nos mostra sua insegurança e ansiedade diante da percepção de ser constantemente observada. Seria preciso afastar-se daquela cidade e assim, decidir o que fazer com aquele valor. Afinal, o que ela desejava fazer com aquela quantia? 700 dólares foram gastos na troca de um carro que a conduziu a um velho motel. Um encontro ao acaso que impactaria todo o rumo daquela noite. 

Marion foi amavelmente atendida por Norman Bates | Anthony Perkins |, dono do local que a conduziu aos aposentos. Logo lhe foi dito: “ninguém vem aqui se não estiver perdido”. Marion chegou assustada, carente por acolhimento e segurança. A percepção de um suposto olhar alheio se manteve: o ambiente ermo do motel era decorado por pássaros dissecados, uma espécie de relíquia da coleção local. Ao ser convidada para jantar, Marion ouviu gritos atormentadores que repudiavam esta iniciativa. Segundo Norman, sua mãe não apreciava tais intentos. Mas, que mãe seria esta que ‘tudo vê’? Percebam que o olhar e a sensação de ser vigiada novamente se apresentam.


Este temor era uma espécie de alucinação que a fazia supor a existência de um olhar alheio. Um olhar ameaçador que revelaria o seu desejo. Marion sentia-se atormentada por haver burlado uma regra, e a partir de então, este significante ‘olhar’ passou a ser relacionado com vários elementos ali presentes. De fato, ela foi vista por um outro desconhecido. Durante o banho, Marion foi supreendida pela intrusão de um ser que invadiu o seu lugar de privacidade e a esfaqueou bruscamente. 


Se a personagem principal morre, então o filme se encerra. Não neste caso. Pelo contrário, o conflito inicia-se a partir dai. Talvez nos questionemos: “mas que psicose é esta?” Poderíamos ficar várias semanas apenas comentando sobre os elementos simbólicos e subliminares deste filme. Mas, a presença do olhar foi algo que selecionei para dar ênfase. Foi a falta-a-ver que sustentava a indignação de Marion quando diz não ter oportunidade de ser vista com Sam em público. É este olhar que a fez atentar-se aos 40 mil dólares e construir um roteiro de fuga que, novamente, foi impactado pelo temor do olhar do outro. E que outro era este? Além de sujeitos comuns, certamente tratava-se também de uma construção alucinatória de Marion que elaborava a reprovação daquele que sabia de seu delito. Assim, encontramos Marion morta, com um olhar que nada mais via, mas ainda assim, exposta à visão de um outro.

Renato Oliveira

-------------------------------------------
Agora, também badalando no Twitter: @cinefreud_
Super sigam!

23 comentários:

Juci Barros disse...

Ontem mesmo fiquei hiper chateada com meu irmão que enquanto assistia a um filme ele adiantava as cenas pra mostrar que ainda lembrava e talz. Muito sem graça!!!!
rsrs
Beijos.

Deia disse...

Renato, excelente elaboração! Esse olhar do outro que nos tolhe, nos limita, e ainda assim vamos em frente, seguindo com um peso sobre os ombros - de reprovação, talvez? Excelente forma de não contar o final, maestro! Um beijo, Deia

Anônimo disse...

Oi , Renato !
Super obrigada por sua visita e comentário , adorei !
Feliz em ter sua presença no Cadinho.
Muito bem-vindo!!!

Aqui é tudo de bom , adoro seu blog.
Acho super elaborado .


Bjo Grande.

Franck disse...

Interessante a maneira como vc aborda o filme num geral, msm qdo conta cenas essenciais... Fica-se com uma vontade de ir na locadora mais próxima e ver o filme que recomendas qdo leio suas abordagens...
Um abraço!

chuck large disse...

Muito bacana a sua análise, olhar o filme sob o ollhar dos outros sob Mariom, se bem que esta 'observação' dela se intensificou com o roubo, acho que devida a culpa ela ficou meio paranóica e com medo, muito assustada. É, você contou uma cena essencial, mas nada que estrague, o importante está no final! heheheh

Abs (já te sigo no twitter!).

MARCOS DHOTTA disse...

E a Marion, vivamente, olhou para mim. Juro! Senti o apelo lá no fundo da íris... "Vocês não deviam ter visto o que eu fiz". Renato! MARAVILHOSO seu olhar por sobre os olhos da Marion.

M. disse...

Oi Renato,

Gostei muito da análise que você fez de "Psicose", essa grande obra do Alfred Hitchcock, através do olhar da Marion. Fico no aguardo do próximo filme a ser analisado no Cine Freud. Um grande abraço.

Adriano Mariano disse...

Ótima abordagem!
Tenso fiquei ao ler seu post, posto que (vergonha) não assisti este clássico ainda. Mas Adorei a análise, o que me faz procurar este filme agora no torrent....

Adriano Mariano disse...

Ah, obrigado pela visita!
uahauhaa... gif legal, né? Libertador, eu diria!

Valéria lima disse...

Cometo direto esses atos falhos. Sobre o filme não conheço, gosto muito de filmes antigos.

BeijooO*

Insana disse...

as vezes faço por distraçao..

bjs
Insana

disse...

As vezes também sinto que tem alguém me observando...
Obrigada pela visita no Canal 1, também adoro seu blog, a sinceridade dos blogueiros é o que me encanta.
Beijos

Xxx disse...

Olá, Renato...

Realmente seu blog está ficando cada vez melhor...

Parabéns... e um abraço...

Kleber

Erica Vittorazzi disse...

Renato, como eu gosto de contar filme...hehe e não me importo que contem para mim. Talvez eu não seja normal.

Que tudo este texto, heim!!! Analisar psicose pela vítima, muito bom. Engraçado, este significantes que viram ponto-de-amorfo, não? Esta sensação de ser observada, era o super ego acusando-a. Uma hora ou outra ele aparece.

Como eu adoro este filme. Ele é bem Freudiano, não? A mãe sendo a culpada de tudo...hehe

beijos

Anônimo disse...

Oi Renato,

Esse filme eu assiti há "séculos"..., rs. Confesso que nem sabia do que se tratava (em termos psicológicos: dos olhares) e, hoje, mal me recordo dele. Mesmo assim, creio que não assitiria novamente, exceto se motivada (num grupo) ou não tivesse escolha.

Beijos e EU VOU AGUARDAR A SUA FESTA DE UM ANO, HEIM...!!

Anônimo disse...

Ôps!, assistiria..., com o "s".

Ilaine disse...

Renato, amigo! Perdoe a demora...

Seu post é uma delícia e Hitchcock é sempre impressionante em sua suspense. Aqui com você aprendo um monte. Obrigada por trazer esta análise minuciosa. Beijo

Zé alberto disse...

Olá,
Renato, este filme do Hitch... aínda não me passou pelos olhos, mas foi com agrado que vi expresso e devidamente sustentado,o teu ponto de vista sobre a postura da protagonista, sobre a forte dependência da narrativa dos seus actos e sensações em relação à sua obsessão com O OLHAR ANALÍTICO, PERSEGUIDOR E PREDADOR dos outros.

O teu comentário num post meu, sobre a "fotografia", demonstra agudeza de análise e elegância na escrita. Fico muito contente por inter-comunicar com uma pessoa com um espírito tão refinado.

Um grande abraço!

Anônimo disse...

adorei tua crítica, e mais uma vez ,tá aí uma recomendação que procurarei assistir. (:

Rodrigo Mendes disse...

Renato, gostei de sua análise. Hithcock era um gênio e teve um ótima colaboração com o roteirista Joseph Stepano que teve a brilhante idéia de fazer um filme sobre a Marion Crane, depois um outro filme sobre o Norman Bates.

Na verdade Marion é o melhor exemplo de "Siga o Coelho Branco" que nos leva onde a história realmente interessa e é o que eles querem contar.

A cena do chuveiro é o melhor plot point do cinema. E adoro todo o suspense no ato de roubar o dinheiro e as coisas que vagam na cabeça dela. Rs!

Muito interessante sua análise!

Abs.
Rodrigo

Rodrigo Mendes disse...

...e "Psicose" refere-se ao próprio psicopara (Psycho) Norman Bates, que sofria de dupla personalidade.

Agora percebe as titulagens de Saul Bass? Quando as letras são divididas ao meio? Rs!

Abs.

Carolina Rezende disse...

Caramba! Eu NUNCA teria parado pra pensar nesse lado sobre o olhar em Psicose... Não sei se já falamos sobre isso, mas eu sou APAIXONADAAAA pelos filmes do Hitchcock! A cada um que assisto, fico mais surpresa e apaixonada, rs. Mas então, sei que contaria o final, mas fiquei curiosa pra uma análise sobre o Norman Bates. No final do filme o delegado, se não me engano, explica, mas seria legal uma análise completa sobre suas ações. Sabia que o Bates foi baseado em um serial killer real, e o próprio filme foi baseado num livro que contava sobre esse assassino?

Ah, então... Resolvi mudar o layout um pouco! UHUASHUA muito tempo com aquele. É, ultimamente não ando com tempo para vegetar, infelizmente :(

Procura no YouTube a música do Bauhaus. Bela Lusosi's Dead. Sou apaixonada por Bauhaus, banda post-punk dos anos 80 *-*

NOOOSSA, eu tava louca pra ir na exposição do Keith Haring! Pupilo de Warhol! HUAASHU Mas não deu pra eu ir pra São Paulo :( Mas provavelmente esse mês ainda, ou mês que vem eu vou pra ver a Bienal.

ENTÃOOOO, essa modinha da Audrey é por causa de Gossip Girl! Pra você ver como sou atualizada de coisas contemporâneas, fiquei sabendo depois de muito tempo dessa moda estourar por uma amiga minha, rs. Ah, acho que já deu uma passada nessa moda sim... Ainda tem aquelas garotas que se vestem todas iguais com saias na cintura e colar de pérolas, mas isso pra mim não é estilo, é se vestir em série, rs.
Entãoooooo, eu vi My Fairy Lady por 13 reais na Americanas! Eu ia comprar o box de aniversário, mas preferi gastar os 100 reais com dois filmes dela e mais 3 clássicos. Aliás, mais dois clássicos e um do Almodóvar *-*

Beijoos, desculpa a demora pra responder!

Me permita disse...

Oi, meu caro! Demoro em vir, mas não me distanciarei de todo do blogger... rs Poxa, gostei da dica! Nesse próximo final de semana vou assistir de novo Psicose! Um clássico do terror! Abraço!