Bem vindo à modernidade: a tendência dos reallitys shows agora também nos diz respeito. Mas por ora não se trata dos programas em si, eles são demasiadamente entediantes, mas os seus efeitos sobre as pessoas, não são. É sobre estes efeitos que pretendo abordar. Hoje iremos entrar em um pesadelo para falar de sonhos. De que se trata? De um pesadelo cotidiano, que envolve pessoas e suas ilusões e cujo nome é Requiem para um sonho | Requiem for a dream – 2000 |.
O diretor Darren Aronofsky reuniu elementos interessantíssimos para apresentar um sujeito cativo a modos de alienação. O nosso foco se encontra em Sara Goldfarb | Ellen Burstyn | uma mulher com um sonho, um filho e uma tv. Ela passou a se envolver de outro modo com um programa chamado Tappy Tibbons Show quando, inesperadamente, foi informada que poderia ser a próxima participante. Foi necessário o discurso de um outro para que ela pudesse rever a sua condição. Ela passou a olhar para si de outro modo e constatou que nem tudo estava bem. Sara relacionava-se com o sonho de participar deste reallity a partir de um ideal: para o esplêndido dia, ela almejava estar em um longo vestido vermelho e com os cabelos ruivos, assim como esteve no dia da formatura de seu filho Harry | Jared Leto |. O vestido não mais lhe servia, portanto, perder peso seria o próximo objetivo em sua relação com aquele sonho. Uma simples dieta demandaria muito tempo e seria inviável diante de uma proposta mais atraente: pílulas para redução de peso. Percebam que um breve discurso teve um impacto tão significativo na vida desta mulher que ela passou a se relacionar com as pessoas, os objetos e o mundo a partir do efeito deste discurso que abriu todo um universo imaginário, no qual, era o seu desejo que deveria reinar.
Enquanto Sara organizava-se para obter uma realização futura, o seu filho Harry conjuntamente à Marion | Jennifer Connelly | e Tyrone | Marlon Wayans | possuíam outra dinâmica: importava-lhes um gozo imediato, e no uso de heroína era-lhes possível obter esta satisfação. O efeito desta substância aparecia de modo tão notório que estes três sujeitos se tornaram capazes de elaborar todas as estratégias imagináveis afim de não sentirem-se privados. As constantes buscas de heroína os colocava numa condição de passividade diante deste objeto, pois passaram a ser controlados pelos efeitos que as substâncias lhes provocavam.
Há uma diferenciação entre a dinâmica do sonho de Sara para com a dinâmica de Harry, Marion e Tyrone: Sara mobilizava-se a partir de um discurso esperançoso que lhe dizia “você pode conseguir e chegar lá”, ela era movida por esta fala. Enquanto os outros três moviam-se pelo temor de uma fala que lhes afirmasse a impossibilidade em obter o que lhes era valioso. Em ambos os casos, havia um discurso que os fazia delirar, que os retiravam de uma condição de responsabilidade pelos seus corpos e suas vidas, colocando-os numa condição submissa e alienada. Eles simplesmente se deixavam levar, não porque assim o queriam, mas porque a fala de um outro era mais forte.
Havia um sonho em questão e as drogas eram utilizadas como meios para obtenção de um gozo futuro. Há uma linguagem comum no roteiro deste trabalho que nos fala sobre a doença que afeta o sujeito neste momento da história. A doença que me refiro não consiste na compulsão em si, mas na alienação decorrente da busca. Na busca pela droga, havia algo além que aqueles sujeitos ansiavam. Era um meio de dar conta do vazio e incompletude de suas próprias vidas. Percebam que a perda do controle não se deu de modo particularizado, mas sempre em relação ao discurso de um outro que apontava ou não a possibilidade de que o espetáculo e o sonho acontecessem.
Os elementos presentes em Requiem for a dream são válidos para que possamos analisar a doença que afeta o sujeito hoje. Observamos no cotidiano destes quatro sujeitos um caráter de repetição: os mesmos prazeres, os mesmos rituais e meios para atingir um ideal. Esta repetição foi decorrente de um discurso que ao apontar a possibilidade de um gozo, os faziam delirar. As dimensões entre a realidade e o sonho já não eram mais perceptíveis para aqueles sujeitos. E o que vemos hoje, está distante disso? Socialmente nos tornamos conhecedores e até mesmo submissos a discursos que nos fazem delirar: política, sistema religioso, paixões, propagandas, etc. Não se trata aqui de entendê-los como maléficos, mas sim de assimilar a alienação a partir de uma fala que trás em si uma promessa, sendo capaz de fixar o indivíduo numa condição de não mais se ver enquanto ativo sobre o seu desejo, mas sim como completamente dependente dele, e até enquanto derrotado na impossibilidade de alcançá-lo. Não se trata de uma civilização para nos fazer feliz e nem mesmo de uma sociedade que em sua organização é alienante, o que diferencia é o modo do sujeito se relacionar com os discursos sociais. Os efeitos não serão os mesmos se a postura do indivíduo for minimamente crítica para se responsabilizar pelo desejo que o move, ainda que não o realize. Então, gostaram do sonho? Ou trata-se mesmo de um pesadelo? A sua sequência continua ai, na rotina de todos os dias.
Renato Oliveira
28 comentários:
Obrigado pela visita!
Requiem marcou minha vida profundamente, e tenho uma relação muito pessoal com o filme, tive um caso na família muito parecido com a Sara Goldfarb.
Sem dúvida uma interpretação magnífica, na minha opnião merecedora do oscar naquele ano.
Um filme essencial.
http://sabordaletra.blogspot.com/
Show! Sujeitos, relacionamentos e discursos... incrível quem consegue dar conta de assunto tão complexo de forma leve.
Beijos.
Renato, sou apaixonado pelo filme Réquiem e trabalho sempre com ele em sala de aula, apesar de quase sempre os alunos saírem meio chocados.Gosto muito das interpretações e da história em si, tão próxima de nossa época. A música é perturbadora e o final, quando as personagens se voltam para a posição fetal diz tudo, não? Um abraço!!!
Começarei o ano bem, com esta dica! Não me decepcionei com nenhum dos filmes indicados por vc, espero que 2011 venham muitas e muitas sugestões!
Abçs*
Gosto muito de ver filmes, aqui em casa tenho diversos, é como se eu pudesse entrar em outro mundo, em outra realidade.
E pode deixar que na minha listinha de filmes desejados este está!
Imenso beijo e obrigada por sua visita
Renato,
Saudade de ler suas dicas, essa por sinal parece muito boa, como todas são. O mais interessante é o jeito como você descreve o filme. Fico fascinada
BeijooO*
Ai ai...
Como é bom ter férias... podemos ler as coisas bonitas dos queridos da net... com calma.
Este filme é um dos meus favoritos de todos os tempos, atuações e roteiro brilhantes... toca...
E vc escreveu muito bem sobre eles.
Linkarei (a noite...) seu site em meu blog... e volto sempre.
Abraços,
Kleber
oteatrodavida.blogspot.com
Olá!
Primeiramente, queria te parabenizar pelo BLOG. Um conteúdo fantástico em um design lindo. Sério!
Sou leigo no assunto psicanálise. O que aprendi foi na proatividade de pegar livros que tivessem ligados direta ou indiretamente ao cinema, sem "professor" ou curso, haha. Admito que ainda tenho de ler umas três vezes uma mesma linha de Zaratustra para chegar a profundidade de suas palavras.
Enfim, parabéns pela iniciativa e grande sensibilidade e intelgencia na percepção da psicanálise no mundo do cinema e obrigado também pela visita no BLOG.
Aronofsky possui um feeling incrível. Ele nos faz sentir EXATAMENTE como o pesonagem. Ele nos obriga a absorver o sentimento do personagem. E, em "Black Swan" ele superou-se em qualquer outro filme...
Ahh, e a trilha de Clint Mansell??? WOW!
Suas análises são sempre ótimas!
Parabéns!
Uau, Renato! Seus posts têm uma profundide rara nessa tal "blogosfera" - acho essa palavra tão feia, rs.
As consideração finais do seu seu post me remeteram à música "Essa Noite Não", do Lobão:
"A cidade enlouquece sonhos tortos
Na verdade nada é o que parece ser
As pessoas enlouquecem calmamente
Viciosamente sem prazer"
E obrigado pelo seu interesse em relação à "minha" Luciana. Vindo de alguém que tem um blog como o seu, isso é um tremendo incentivo.
Olá Renato!
Olha eu vi o fime Cindrela em Paris por indicação do seu blog. Amei o filme: lindo, romântico, intenso. Eu achei a Audrey brilhante (como sempre), e achei que a personagem não soube, a um primeiro momento, aplicar a teoria da empatia, quando desistiu de desfilar para ficar conversando com o filósofo. Mas depois deu tudo certo(rs). Já tinha assistido Guerra e Paz, Sabrina e Bonequinha de Luxo(lindo!).
Obrigada pelas outras indicações. Seu blog é excelente!!
Beijos e boa semana pra vc!
SOU louca por Requiem!
Amei mesmo!
Lembro-me que quando vi, estavamos em um grupinho razoalvel de pessoas...só eu gostei....Que bom que não estou sozinha!
Ótima dica!
bjossss
Muito Obrigado por ter passado no meu blog,seu comentario foi muito bom e me deu uma força, gostei muito do seu blog tbm, espero trocar muitas informação e idéias, muito obrigado
http://gabriellduarte.blogspot.com/
Buenas, querido e caríssimo Renato! Como estás?
Ah, não gostei da minha última postagem... Eu tinha elaborado um texto maior, com várias explicações, tudo bem minucioso e tal... Mas deu um "tilt" no blogger e a postagem não foi salva. Enfim, talvez tenha ficado melhor da forma reduzida que fiz. De fato, bem sintetizado! Rsrs...
A sua resenha ficou excepcional, como todas as outras! Sempre há algo em seus explicações que me chama a atenção e que eu me encontro... "Era um meio de dar conta do vazio e incompletude de suas próprias vidas." Temos diversas "drogas" espalhadas por aí em nosso dia a dia e a repetição eu entendi pelo uso exacerbado destas tais "drogas". A alienação, por exemplo, poderia ser um tipo desta "droga"?
Querido, eis a minha resposta sobre a sua pergunta: Trata-se de um pesadelo, de acordo com o aquilo que entendi!
Nossa, estou trabalhando muito lá no RH! Mas estou gostando demaisss e aprendo muitooo a cada dia! Graças a Deus! Estou sem tempo mesmo de mexer muito na internet, mas vou tentar postar mais vezes no meu blog.
Ah, responda quando puder o meu e-mail, não se preocupe com isso!
Tudo de bom para você e até mais ver!
Beijo,
Évelyn
Que texto mais bem escrito, parabéns Renato.
'Do verbo se fez a carne'. O discurso do outro, está presente em nossa vida bem antes de nós sabermos falar. E sim, este discurso é muito importante para construírmos a nossa personalidade. Este Grande Outro que nos molda e até nos traumatiza. Mas, como nos livrar dos efeitos destes discursos?
Sim, com terapia.
Beijos, querido. Um 2011 maravilhoso para você.
oi primeiras as saudações de ano novo, te desejando ainda mais sucesso e já acrescentando o filme em minha listinha de férias, pois ainda não o assistir, achei a sua análise bem profunda principalmente ao traçar um paralelo entre a personagem sara e trio da heroina rsrs... fiquei interessada e vou tentar encontrá-lo por aqui.
abraços
Olá...Adorei esse texto, ainda mais que fala de algo que estamos imersos e nem sempre nos damos por conta. Agimos com a impressão de controle total em nossas vidas, mas nem sempre é assim e muitas vezes estamos sendo influenciados pela mídia ou pelas outras pessoas. Devemos tomar cuidado nas modas...e ver o que realmente precisamos para sermos felizes. Abraços.
"Os efeitos não serão os mesmos se a postura do individuo for minimamente crítica para se responsabilizar pelo desejo que o move..."
Oi Renato, ser sujeito ou objecto do nosso próprio desejo, eis algo que pontua os nossos dias, em momentos em que as duas posturas se cruzam.
É um tema bem pertinente este que desenvolveste, a fazer-me lembrar as obras de alguns sociólogos franceses.
um abraço!
Ahhh... Renato... Sou a sua fã! rs... Você já disse tudo sobre o filme e sobre as questões do filme que perpassam nossas vidas! Obrigadaaaa, Renatoooo... Beijinho pra vc!!! Luciana.
Bela análise do filme. A fita é um vício, já não sei quantas vezes assisti!
Abs.
Rodrigo
Belo posto amigo! adorei o seu blog e de todas as coisas que ele retrata. Ja estou a te seguir.
Abraços
Dan
Curti teu blog, tuas dicas e teu twitter! ;)
Sempre ótimos teus textos e idéias, tão pertinentes!
:)
Quanto tempo, hein?
Espero sua visita. Beijão, moça!
Renato,
Preciso muito ver este filme! Adorei a análise. Beijo.
Olá Renato!
Bacana a sua abordagem. Muitas vezes ( ou quase sempre) utilizamos um meio de fuga para minimizarmos o peso da realidade. Isto pode ser bom, quando não se tornar um vício. Fugir da realidade, de nada adianta...fugir para as dorgas então...pior ainda.
O jeito é dosar o realismo, com a fantasia e o ilusírio na medida certa, para nos tornarmos pessoas mais especiais...( muita realidade também, deixa a vida bem chata).
Beijos
Renato, como sempre escrevendo ótimo textos,adoro esses pontos da psicanálise que vc imprime!
Dos três casos, creio que, o de Sara é o melhor e até bem retratado. O cinema adora retratar vícios com drogas e etc, mas o ponto alto do filme é exatamente este: delinear todos os pontos sob o mesmo olhar e neste aspecto Sara se sai melhor e mais plausível para o púbico. Afinal, quantas pessoa não são viciadas em vitaminas? Quantas, não são viciadas em televisão? Quantas não querem emagrecer para caber naquele velho vestido? Sara, pra mim é a mais humana.
[]s
Oi! Desculpa a demora para responder ao seu comentário, mas ando entrando na internet tão apressada, enfim, o filme da foto é "o fabuloso destino de amelie poulain", eu gosto muito dessa atrriiz também, mas só vi uns tres filmes dela :x
enfim, boa semana ;*
Gostei mesmo. Acho que é importante a gente ouvir o que o mundo e seus discursos têm a dizer, mas não nos alienarmos nisso. Como na religião que as pessoas responsabilizam Deus ou o Diabo por tudo. E não se colocam como desejantes faltantes. Enfim.... importante comentário!
PARABÉNS.
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