5.3.17

sublimação ao avesso

O Cine Freud de hoje tem por tema a relação entre cinema e sublimação. É certo que até então não foi dito o suficiente sobre isto. Este território é solo fértil dado que sublimação é coisa própria do freudismo. Quando se fala deste assunto, logo vem à mente a imagem do artista que destina seus impulsos vitais para criar uma obra de arte – o que gera inclusive o equívoco de se pensar que toda arte é oca e seu interior é composto por pulsões sexuais irrealizadas. Não é disso que se trata aqui, absolutamente, mas sim de apresentar filmes nos quais a sublimação é o tema em si. Obras que declaradamente anunciam o sujeito confrontado com a necessidade de destinar o que é de ordem sexual para fins socialmente aceitos e valorizados. Ora, só se pode pensar em sublimação a partir da ideia de desvio de uma finalidade sexual – que na língua Portuguesa não pode ser melhor descrita senão por trepar – para fins que de sexuais não tem nada. Foi assim que a humanidade evoluiu, caso tenha evoluído um pouco. 

Não há dúvida de que personagens neuróticos, bloqueados na vida sexual e sublimatizantes nível 10 da coisa já tenham sido adaptados para as telas. O dever daquele que aqui escreve, caso ele o tenha, seria o de analisar tais filmes, evidentemente. Sua procura, contudo, não produziu resultados novos para além de três filmes que já estavam em sua cabeça, um sobre o tema em questão e dois outros virados ao avesso. Pois bem, transformar o que seria uma finalidade sexual em objetivo civilizatório com vistas ao aplauso grupal tende a produzir pessoas realmente boas naquilo que fazem. É sabido que a libido freudiana foi concebida em termos de energia de ligação e com um pouco de abstração é possível tomá-la como fonte de toda a criação possível. Experts em alguma coisa podem ser o resultado de uma energia sexual sublimada e totalmente investida no aperfeiçoamento de uma função. A forma como um ser irá canalizá-la resultará numa condição mais ou menos doentia, para se dizer numa linguagem escrachada. Mais para “mais” do que para “menos” era o conflito da personagem de Isabelle Huppert em “A professora de piano” (2001) conforme já foi aqui analisado. Mas o que presentemente vale ressaltar é o sucesso da personagem enquanto pianista, ofício equivocadamente tomado como vocação. Trata-se na realidade de treino e, para tanto, da canalização de energia mental. Nota-se que a psicanálise abriu as portas para revelar não apenas a sublimação enquanto estratégia neurótica daquele que não ousa viver a sua sexualidade, mas foi além disso: o conceito de sublimação permite inquirir quanto a quem é o senhor da demanda em questão. No caso da professora no filme, era de senhora que a demanda era proveniente. Havia uma mãe cuja posição indicava um endereçamento para o desejo da filha. Sem a renúncia de boa parte dos fins sexuais propriamente ditos é dedutível que a personagem assumiria talvez o lugar de uma pianista, qualquer uma, mas não de “expert”, de a professora de piano. Este lugar de singularidade estava diretamente associado ao poder, conquista alcançada em detrimento de uma sexualidade não bem elaborada por ela. Considera-se assim que a energia sexual quando tolhida em sua finalidade e voltada para aprendizados tende a produzir mestres.

Fotografia do filme Intimacy (Patrice Chéreau, 2001)

Como mencionado, um filme sobre o tema seria seguido de dois outros sobre seu avesso. Pois bem, enquanto o filme de Haneke é válido para se pensar sobre a sublimação, nos outros dois filmes a serem citados, a prática sublimatória esta recusada. Exatamente. Tanto em “Intimidade” (2001) de Patrice Chéreau quanto em “Na cama” (2005) de Matías Bize um casal desliga-se da sociedade em um quarto para a realização de sexo não-procriativo, isto é, trepada. Tem-se a visualização da pulsão sexual cumprindo seu objetivo, sem se desviar para a esquerda ou direita. Os encontros destes casais eram exatamente para satisfação física. Pode-se dizer que são, portanto “filmes de cama” e uma possível linguagem articulada à produção de orgasmo. Trata-se de sujeitos para os quais as demandas sociais tornam-se fatores externos retirados de campo temporariamente, incompatíveis com o momento na cama (ou no chão). Eles decidem se afastar da própria vida para repensá-la em função do desejo, e para tanto, seus corpos precisavam ser tocados. Deve-se considerar que sublimar os anseios sexuais como alternativa A ou transar da forma como bem entende enquanto opção B não é um paradoxo em si, ambas possibilidades não se excluem mutuamente Há os que preferem dosar em suas vidas uma parcela de satisfação pulsional com boas investidas de intelectualismos e arte enquanto há outros que recusam satisfazer a pulsão sexual em sua finalidade mais direta e imediata. É notório que a sublimação é tanto um destino que serve aos interesses da sociedade como um todo quanto pode ser um recurso para não enlouquecer aqueles que, por inviabilidade de acesso, não tem junto a quem produzir “cenas de cama”. Cabe ainda o questionamento acerca de até que ponto a escolha sublimatória é uma medida efetiva. Ademais, nos dias de hoje ainda se destaca a necessidade de um acordo do sujeito relativo a quanto destinar para fins socialmente aceitos parte da energia que visa ao ato sexual propriamente dito. É lógico que abordar o tema da sublimação a partir de filmes que retratam o seu negativo produz mais inquéritos do que interpretações plausíveis. Assim, desvirar o avesso é desde então tarefa para uma postagem futura a fim de relançar luz sobre este tema que, de algum modo, atravessa a existência de todos. 

Abraços,

Renato Oliveira

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