3.2.17

Todd Solondz bom pra cachorro

A relação deste falante que aqui escreve com Todd Solondz é caso antigo. Tudo começou em “felicidade”, seu mais aclamado filme, e até os dias de hoje é certo que a felicidade nunca acaba. No roteiro de Wiener-dog (2016), seu mais recente filme, a personagem principal não fala, pois é um animal que transita entre pessoas que não se conhecem nem mesmo se ligam. Um cachorro passeia o filme todo entre cidadãos que não se conhecem, de modo que se torna uma espécie de testemunha-ocular das realidades destes sujeitos. Esta montada a sinopse do filme. Até ai, sem Freud à vista. Com efeito, este escrito não é uma declaração de amor pela obra de Todd, ainda que o ato seja elogioso, dado que ele criou um cachorro-passageiro para mostrar que as pessoas sofrem, vivem sozinhas e não vislumbram um propósito maior para suas existências. De um menino em tratamento de câncer, uma jovem cuja infância foi “puro bullying”, um excêntrico acadêmico a uma idosa reclusa – é a vida durante a guerra, a batalha de procurar um sentido vital e não encontrá-lo. É válido dar contorno aos termos. O que aqui se nomeia "sentido" pode ser entendido como ligação.





Freud anunciou a pulsão de vida como um movimento de encontro do sujeito com elos exteriores, não por menos, a paixão e a atividade sexual são capazes de trazer um sentimento de estar vivo. Wiener-dog, em oposição, retrata a pulsão de morte, o gradual retorno ao inanimado enquanto ainda se respira, logo, pessoas e ideais estão morrendo. Há seres que diariamente morrem de saúde, velhice e, absolutamente, de falta de desejo. Para além da morte no plano do sujeito, há também a destruição de ideais socialmente firmados, tais como: a família perfeita pautada no amor genuíno e inabalável de pais para com filhos e vice-versa; a descrença num plano existencial planejado por Deus e o ceticismo quanto a um futuro melhor. Tudo à caminho da decomposição. E o que resta? A finitude. No roteiro do filme, há pessoas confrontadas com o fato de que suas vidas são uma passagem. As personagens parecem desiludidas bem como se encontram “deslibidinalizadas” – a energia de ligação parece ausente entre elas. Pode-se assim visualizar uma oposição entre as pulsões de ligar, por um lado, e as de destruir e silenciar, por outro, de modo que as últimas é que predominam. Trata-se, portanto, de uma abordagem curiosa sobre a desunião dos corpos, pois nem sequer o vínculo entre pais e filhos é marcado por um nítido elo afetivo-emocional, em suma são pessoas sozinhas e sem rumo desde cedo. Cabe ainda a questão: há algo capaz de unificá-las? Pode-se dizer que um elemento liga estas personagens, mas não as unifica. O cachorro. Este é um objeto transitante, sem lar ou passado, que não se incorpora em uma família, não forma elo, apenas acompanha pessoas entregues a um cenário desolador. O animal diz da condição de seus temporários donos, pois ele recebe nomes de finitude, tais como “merda” e “câncer”. Todd, mais do que nunca, desvela que tudo esta destinado a morrer. A referência, contudo não é à morte física em si, mas ao desligamento dos corpos. Logo, é possível se pensar na pulsão de morte em termos de separação corpórea, como exemplo, tem-se a solidão enquanto realidade social. No filme aborda-se a transitoriedade das coisas, a perda de vínculos de amizade e a dificuldade em formá-los. Nota-se que estar só é uma condição em si, da infância à velhice. 

Mas, se tudo esta destinado a morrer, vale a pergunta: o que é duradouro hoje? Visualiza-se no roteiro a existência de algumas possíveis constâncias, isto é, condições mostradas que parecem não se alterar por um período de tempo. Antes do total silenciamento para o qual a história culmina, certas condições se mantêm na vida das personagens, destacam-se quatro: o tratamento de câncer da criança; a viagem na estrada; os problemas de comunicação do professor e a solidão da senhora idosa. Tais personagens existem em realidades paralelas, nada sabem, portanto, uma da outra. E mesmo quando acompanhadas, estão sozinhas. Uma energia libidinal capaz de uni-las, manifesta no amor e no contato sexual, é quase uma condição quimérica. É notório, portanto, que com esta exposição acima é improvável, mas não impossível, que seja-lhes suscitado o desejo em ver o filme. De algum modo a felicidade nunca acaba, já que cada filme posterior de Todd faz alusão a sua obra central. De “Felicidade” até “A vida durante a guerra” terá a abordagem de Todd se tornado mais pessimista? Ou realista? O destino será a finitude em si ou a certeza do destino de não haver mudança ou superação?

Vocês decidem,
Renato Oliveira

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