“A ironia está nos olhos de quem vê”, péssima adaptação, eu sei. Mas acredito que esta foi uma das minhas conclusões após ver os trabalhos de Todd Solondz. O seu modo de tratar as questões da sociedade norte-americana nos convida a conhecer uma realidade sem máscaras.
O filme “Bem vindo à casa de bonecas” | Welcome to the Dollhouse – 1995 | é um convite ao riso embora não se trate de uma comédia. Humor negro, talvez. Se provocar uma condição de riso pode ser capaz de promover reflexão, esta certamente foi a aposta do diretor. A casa de bonecas é composta por: Sr. e Sra. Wiener, Dawn, Missy e Mark Wiener.
Dawn | Heather Matarazzo | é a irmã do meio entre a picorruxa fofinha Missy Wiener | Dalina Calinina | e Mark Wiener | Matthew Fabber | um geek conhecedor de computadores e aspirante a talentoso. O desenvolvimento da história nos mostra que as situações não favorecem os anseios de Dawn em ser aceita, querida e desejada. As clássicas cenas daqueles que são traumatizados em uma High school foram apresentadas em uma abordagem muito peculiar.
Sejamos claros que estereótipos de “fulana, a feia” já se tornaram banalizados e não há nada de inédito nisso. Porém, Todd parte deste estigma (ainda menos convencional a época) para mostrar o cotidiano daqueles que estão fadados a uma condição de escárnio. A ótica do diretor não se restringe em retratar o bulling, mas visa afirmar que os valores e comportamentos da família não são mais os mesmos.
Os infortúnios de Dawn se estendem à suas relações com a família. A intolerância vivenciada na escola é igualmente observável na concepção de seus pais. Há um jogo de diálogos que articula o sarcasmo, a discriminação e a própria distinção do amor e atenção que é direcionado àqueles três filhos.
A condição humilhante de Dawn a conduz a uma maneira muito específica de lidar com os objetos. Ao construir o Special People Club ela tenta incluir aqueles que de algum modo são significativos para si, em sua fala é perceptível que estas pessoas especiais são aquelas populares, confiantes em si mesmos e acima de tudo, bonitos. É o reconhecimento de uma falta que a leva a super estimar e invejar os que são portadores do que é faltante em si mesma.
Portanto, casa de bonecas: um lugar de doçura, de coisas fofas, do encanto, magia, brilho, beleza, amabilidade. Aonde? Todd aponta: conheçam um LUGAR REAL. Este lugar afirma a própria indiferença dos pais em relação aos filhos que não correspondem à seus ideais. Os objetos desta brincadeira são: martelo e serrote, com os quais Dawn corta a cabeça de uma das bonecas de Missy e sente-se impulsionada a martelar a própria irmã enquanto dorme.
As tentativas de Dawn em reverter esta situação de desgraça são repetitivas, frustradas e insuficientes porque socialmente não lhe era permitido ser outra pessoa, ela havia sido eleita por aqueles que a rodeavam a uma condição de riso, escárnio e zombaria.
O riso possui um significado e uma determinação inconsciente podendo estar relacionado às pulsões de agressividade. Portanto, “não rimos apenas por rir”. O escárnio pressupõe lugares de poder e o ridículo ilustra o lugar do fraco. Há um prazer obtido no encontro com aquele que demanda sofrimento, pois é justamente o seu silenciar que potencializa o gozo do outro e afirma a potência do agressor. Logo, é a própria sociedade que elege aqueles com os quais quer zombar. Há um lugar do não-ter e não-ser observado no massacre que sugere à alguns que não saiam de seu lugar comum: desempregados, tímidos, feios e loucos. Determinam-se assim os “nada-ser”.
Todd Solondz é nocivo para aqueles que acreditam que a família é completamente boa. A idealização da família tradicional é algo que não mais se sustenta. Suas críticas levá-nos a questionar a eficácia dos valores éticos e religiosos que impõe ao sujeito o dever de amar o próximo como a si mesmo. Constantemente presenciamos o massacre social sobre aqueles que refletem o lugar de “não-ter” e “não-ser” aos quais de algum modo é dito: “não saia de sua condição introspectiva”.
Portanto, todos somos bem vindos ao lugar em que o ridículo é exposto para que seja possível refletir sobre o uso que é feito de serrotes e martelos nas mãos daqueles que, como Dawn, tentam sair do lugar comum.
Abraços,
Renato Oliveira
21 comentários:
parece interessante... nunca tinha visto falar desse filme... vou procurar pra ver ;p
agora a minha curiosidade mordeu sua isca!
até...
olha, faz tempo que não assisto filmes que retratam essa questão da menina sem lugar na sociedade e tals, mas a resenha é ótima. acho que vou alugar amanhã pra ver com o namo.
;*
Adorei a crítica. Deu muita vontade de ver o filme.
Parabéns pelo blog!
Tu és um ótimo crítico, já disse?
E essa mania que muitos membros da sociedade tem de marginalizar certas pessoas por elas fugirem do padrão é algo horrível (tanto de presenciar como para quem sofre tal agressão). Penso que o ser que é agredido tem que aprender a se impôr. A impôr respeito, a ter uma postura confiante, e de fato se sentir importante; enxergar seus valores e ver em si uma pessoa digna de respeito, tanto de si próprio quanto de todas as outras pessoas.
Abraço.
Opa! Depois de uma dissecação dessas não posso deixar de assistir ao filme! Um beijo, Deia
Olá Renato!
Obrigada por visitar o meu humilde blog. Sei como é, tive provas finais também na semana passada... É a maior correria!
Bom, estou indo pro quarto semestre com as graças de Deus... Infelizmente ainda vou ter as teorias sobre o Comportamentalismo até o final deste ano... Estudei no terceiro sobre os experimentos com o rato, sobre Skinner e aquela tríplice idiota, sobre os dementes do Watson e do Pavlov, comportamentos respondente de Watson e operante de Skinnner e por aí se vai... E ainda tive aula com um rato virtual totalmente insano... Ninguém mererce... Só terei Psicanálise no quinto... =/
Também estou com traumas... Acho que alguns são latentes... Rsrs...
Gosto muito da Psiclogia Social... Mas também gosto muito da Psicanálise... Enfim, um dia eu me decido!
É isso. Até breve! =)
Abração,
Évelyn
Sua abordagem sempre me deixa curiosa. Agora quero assistir.
BeijooO*
Que lindo o texto, Renato... Não vi o filme e já gostei! Beijinho...
Mais um para a lista dos filmes pós dissertação.
Alguns significantes são tão fortes para nós, que eles tornam-se o nosso ponto- de- estofo. Somente análise para mudar o quadro. E reescrever outra história. (Mas, aprendemos isto tarde demais, né?)
Beijos, Rê.
Admiro muito a sua inteligência.
Oi Renato! Esse filme é muito interessante principalmente para pais e educadores. Há temas muito importantes como o Buylling por exemplo e a questão do aceitar o outro. Lendo todo o seu artigo, sinto como se fosse em mim a dor de uma personagem assim, que tudo o que quer é ser amada, aceita no meio social em que vive. Você como sempre maravilhoso em suas discursões froidianas na sétima arte. Um abraço e ótimo fim de semana.
Oi Renato, nunca mais tinha vindo aqui por falta de tempo, mas como sempre vc continua escrevendo coisas muito interessantes. Este filme reflete muito do que é a sociedade atual que marginaliza aqueles que não se encaixam no padrão que ela nos impõe, e digo isso por experiência própira,rs.
bjus querido, até a próxima.
PS:Tava com saudades de seu blog, *-*
Oi, meu caro! Desculpe a demora em visitar-te... Mas, é sempre bom voltar aqui e encontrar posts interessantes como esse... Teu blog é um baú de preciosidades com dicas e comentários muito interessantes! Gosto desses filmes que tratam, retratam e questionam os padrões da nossa sociedade! É preciso por em xeque as hipocrisias dos valores que permeiam a nossa realidade!
Abraço!
Obrigada...
pelas gentilezas deixadas
por você lá no meu blog...
Depois de longa ausência...
voltei...
Beijos floridos e belos...
Leca
Dica de filme...
anotadíssima...
Oi Renato, tudo bem?
Menino, esse tbm parece ser ótimo, rs
O Mistérios da carne, já baixei e estare assistindo amanhã a tarde, esses dias foi super corrido, tava chegando tardão do trabalho, daí já viu, rsrs.
Ah, vota em mim no top blog, é só clicar no link do lado esquedo do meu blog brigadão.
Abração menino
:)
Obrigada pela visitinha no blog!
Muito legal teu blog, agora já sei pra onde correr quando pintar aquela chuvinha boa pra assistir a um filme e aquela dúvida de "qual eu pego?". Fiquei curiosa para ver o filme do último post. Sem contar que teu jeito de escrever é muito legal.
Beijo
Oi Renato,
Que bom termos nos encontrado pois adorei o seu espaço e já me instalei por aqui,rsrsrs
Super obrigada pela sua presença em meu blog Efeitos e Conceitos.
Quanto ao seu post, embora eu nem tenha ouvido falar do filme, achei a crítica sensacional. Acho que realmente, tudo vale uma reflexão pois, nada é tão superficial quanto às vezes pode parecer.
Beijão
Não poderia haver um convite melhor a assistir o filme.
Beijos.
Oi Renato,
Gostei do fio narrativo, misto de passeio pelo roteiro e análise psicológica leve, nas medida certa para o entendimento e o estímulo à reflexão...Com tempo voltarei sempre que puder! Abraços, Keila
Adoro os trabalhos desse diretor. Felicidade é muito bom, assim como esse que você falou no site. O único que achei um pouco abaixo, mas mesmo assim é bacana é o filme Histórias Proibidas. Abs
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