Há pessoas que acreditam ser sinceras consigo próprias quando se permitem ser guiadas por seus afetos, e há outras que afirmam o contrário: a razão nos faz conhecedores de si e do outro. Mas, o que dizer daqueles que permitem envolver-se pelos dois? E quando involuntariamente a razão cede lugar ao afeto?
No início de “O amor não tira férias” | The Holliday – 2006 |, a diretora Nancy Meyers apresenta as diferentes alterações de humor a partir das frustrações sentimentais de Amanda | Cameron Diaz | e Iris | Kate Winslet |. Ambas sentiam-se ludibriadas por um discurso após a conclusão de não ser exclusividade do desejo do outro. A desilusão amorosa foi tida como um desmoronamento de tudo o que havia sido construído na relação com o objeto amado.
Após o rompimento de um vínculo, o sujeito necessita de um período para elaborar este afastamento, a desvinculação tende a ser gradual e pode ser compreendida como um re-estabelecer que propicie novos laços. Mas, para alguns a dinâmica é diferente: o outro-perdido não significa um outro-esquecido, os investimentos permanecem. No discurso de Iris podemos encontrar a fala de um outro que controlava o seu desejo: Jasper | Rufus Sewell | era aquele que fazia falar sobre o desejo de Iris, mas a dinâmica entre os dois ocorria em diferentes níveis de investimento. As constantes tentativas em aproximar-se do objeto de desejo faziam com que Iris se deparasse com a incerteza de ser desejada por ele. Estas incertezas se estendiam ao longo de três anos. Ainda assim, a posição de Iris era de unicamente desejar, tanto que nem mesmo o noivado de Jasper foi capaz de romper esta dinâmica, como se para ela o fundamental fosse a possibilidade em ser vista por ele, e não a correspondência de seu afeto.
Enquanto Iris se fazia ser ouvida por aquele que controlava seu desejo, Amanda queria fazer o outro falar sobre o desejo dele. Em um momento de fúria, ela insistia para que Ethan | Edward Burns | assumisse um caso de infidelidade. Ao fazer o outro falar, ela obteve a confirmação do que previamente imaginava, e com o rompimento deste laço a condição de seu desejo seria revista. Ainda que enganada, desiludida e frustrada, Amanda era incapaz de chorar, o que dificultava a elaboração de sua angústia.
Apegar-se à razão ou ao afeto não fazia diferença quando se tratava de dar conta de um vazio, de uma perda não simbolizada. Iris e Amanda necessitavam elaborar este vazio e, portanto resolveram “dar férias” ao desejo causador de suas próprias angústias. Elas se conheceram pela internet e decidiram ocupar a posição da outra, se distanciando da rotina que vivenciavam para experienciar um lugar novo. Seria uma oportunidade para elaborar a perda do objeto amado e se vincular aos significantes deste novo local, era uma tentativa de se despreender das marcas deixadas pelo discurso daqueles que se foram. Assim, aquelas semanas de férias representariam uma aposta de transformação. Iris e Amanda levariam consigo seus próprios descontentamentos e frustrações, mas igualmente o desejo de ser desejada por um outro, até então desconhecido. O desconhecido as atraiu e mobilizou um giro em toda a rotina de suas vidas.
Apesar de haver uma incerteza quanto a como seria a condução daqueles dias, a oportunidade de conhecer uma realidade inédita por si só era valiosa. Iris encantou-se com a casa de Amanda, disponível a ela durante aquelas próximas semanas. Ela foi impactada pela novidade e pelo imprevisível. Ao conhecer Miles | Jack Black | e Arthur | Eli Wallach |, ela deparou-se com facilitadores, pessoas que com seus diferentes olhares sobre o mundo, a levariam a conhecer a possibilidade de atribuir uma significação nova aos significantes de sua vida.
É válido ressaltar que o significante é uma marca, uma representação do sujeito a partir de percepções vivenciadas. O significante Jasper foi capaz de deixar uma marca, de modo que Iris foi fixada em uma posição a partir do significado que ela atribuiu a este significante. Um significante está sempre relacionado à outro significante, o qual por si só não significa nada, é o sujeito que lhe atribui um significado. Ao atribuir um significado, o sujeito é capaz de acreditar piamente que aquele significante só pode ter aquele único significado, tornando-se assim, um tolo do significante. Esta crença impossibilita o indivíduo de posicionar-se de outro modo em relação ao seu desejo porque dificulta uma significação nova.
Na tentativa de demonstrar o seu reconhecimento da frustração do outro, Iris foi capaz de identificar a possibilidade de transformação em sua própria vida. Transformar-se consistia em romper o elo que a fazia unicamente significar Jasper como um objeto amado. Um novo laço não consiste no esquecimento de laços anteriores, mas no encontro com a possibilidade de trocar um significado por outro.
Enquanto Iris se reconheceu no discurso de um outro, Amanda encantou-se pelo não-saber que o outro lhe despertava. A monotonia dos seus dias na Inglaterra foi abalada no inesperado encontro com Graham | Jude Law | que trouxe a possibilidade de conhecer os significados da vivência de um outro. Amanda também encontrava-se vinculada aos significados de sua experiência, de modo que para vivenciar uma condição nova seria desafiador permitir-se algumas troca de significados. Trata-se de um processo no qual o sujeito é capaz de apreender um novo modo de posicionar-se frente ao que deseja.
A tentativa em “dar férias” aos conflitos passados envolveu duas pessoas com o discurso inesperado do outro. Mais significativo do que se identificar com este discurso seria encontrar novas possibilidades de significações para suas vidas. Entretanto, eu modificaria a tradução do título deste filme: “o desejo não tira férias” seria adaptativamente melhor, pois este esteve o tempo todo presente e determinou as ações daqueles sujeitos. Frustante seria dar férias ao desejo, pois esta sim, seria uma ação fadada ao fracasso.
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Créditos à querida Ana Lúcia Porto que super ama este filme e pediu que eu escrevesse a respeito. Esta resenha foi publicada originalmente no blog dela, Entre um Café e um bate papo.
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Créditos à querida Ana Lúcia Porto que super ama este filme e pediu que eu escrevesse a respeito. Esta resenha foi publicada originalmente no blog dela, Entre um Café e um bate papo.
Renato Oliveira
19 comentários:
Otimo texto.
bjs
Insana
Ahhh, eu também amo esse filme. Que bom poder ter matado a saudade dele com esse seu post.
BeijooO
Renato, mais uma vez estou eu aqui lendo mais uma análise maravilhosamente bem escrita. Taí um filme que também vai para a minha lista. O elenco é espetacular! Um abraço.
Este é o único filme que gosto da Nacy Meyers, é um filme simpático e com uma boa história. Amanda e Íris tem uma vida diferente porém bastante semelhante, bacana isso!
Gostei do Texto =D
Não lembro se ja vi esse filme, por mais que o título não seja estranho, mas mesmo lendo sua sinopse, não consigo! Irei na locadora mais tarde, tentarei encontrá-lo e ai tirarei minhas inqueitações... Abçs!
Saudades daqui! Ótima resenha, Renato. Penso que é uma boa sugestão... Tomarei nota.
Abraço
Olá Renato,
Gosto bastante do seu jeito minucioso de analisar as "linhas orientadoras" da dramaturgia dos filmes; deste, em particular, digo-lhe que me faz pensar na importancia suprema do DESEJO na sexualidade de cada um. Penso que nas aulas de "educação sexual" se devia tomar mais a sério esse tópico. Como falar aos alunos sobre "O Desejo"? O seu texto diz tudo, dá a resposta.
Obrigado pela sua visita ao meu Blog (Cenas Gagas) e por se ter registado. Espero que os meus posts continuem a merecer a sua visita.
Abraço!!
Oi Renato, pelo jeito tenho algo em comum com a Ana Lúcia, além do nome bem parecido dos blogues. rsrsr
Tbém gosto deste filme docinho e tenho mania de dizer que a vida poderia ser um filme de Nancy Meyers porque ela consegue fazer qualquer tema torturante que insinue relacionamentos como algo leve e prazeroso, em locais pra lá de deliciosos.
Neste filme, só achei um pouco prevísivel a interpretação de Jack Black, que gosto muito, mas parece que anda se repetindo a cada filme.
Sobre contos, dá uma vasculhada lá no Café, é só sacudir que cai vários pequenos contos.rsrsrsr
bjos queridos pra ti!
Oi Renato, tudo bem?
Menino, eu estava lendo e me veio a cabeça " eu acho q já vi esse filme", rsrs. Ao concluir e ver as fotos constatei q realmente já vi esse filme e é maravilhoso, achei o máximo ele, rsrs.
Gente, eu estou começando a me achar, com tantos elogios ao tempo q estou aqui nesse mundo, rsrs.
Brigado querido, fico super feliz por vc participar dessa história, pois se estou ainda aqui é por causa de pessoas tão queridas como vc.
Abraços menino
Olá caríssimo Renato! Vou muito bem, graças a Deus.
"Um novo laço não consiste no esquecimento de laços anteriores, mas no encontro com a possibilidade de trocar um significado por outro."
Amei a sua resenha de hoje, Renato, e principalmente esta parte logo acima (rs).
Nossa, nunca vi esse vídeo do Rogers não... Ele gravou um de seus atendimentos, sério?? Me passa o link do vídeo depois, por favor?
Pois é, este semestre eu estou na potência mil. É trabalho pra não acabar mais... O que me salvou foi um curso on-line de Filosofia que eu fiz, de 30 horas. Eu tenho que cumprir 40 horas de atividades complementares (extracurriculares), ou seja, mais relatórios pra se fazer. Bom, com essas 30 horas do curso, só tenho que participar da Semana de Psicologia da facul, que vale 12 horas, e pronto, fechei. É, a tecnologia nos ajuda... Eu sou contra muitas coisas que abrangem esse novo mundo cibernético em que vivemos, como já escrevi numa postagem em meu blog, mas... Ela me socorreu desta vez!
Tudo de bom pra você e até breve! E continue escrevendo sim, mesmo que o tempo seja contra, as suas resenhas são excepcionais!
Beijos,
Évelyn
Olá Renato,
Li com atenção e carinho os comentários sobre Henry Miller, que você e a Évelyn postaram no "Cenas Gagas", e a partir daí desenvolvi um post em forma de carta para vocês, para dar resposta aos vossos comentários maravilhosos.
O post que coloquei agora não é mto "profundo" mas creio que sugere desde logo algumas pistas que se podem aprofundar sobre esse escritor/pensador tão importante.
Abraço!
Renato, adoro este filme. E lendo, lembrei de uma questão que levava para os meus seminários Lacanianos.
Quando você muda de país, quais signifantes você leva e quais você consegue largar mão? É dolorido? Você será o mesmo? Ou absorverá outros significantes para dizer quem é você?
Conheço alguém que enlouqueceu, por isto.
beijos, me responda... :0
Aaaaaaaaaaaaaa...voltei, nem acredito,rsrs
Renatoooo...quanto tempo! e como sempre vc impecável em suas análises, eu já assisti este filme, mas confesso que depois deste texto - maravilhoso, diga-se de passagem - me deus vontade de assisti-lo novamente só para ver esses detalhes que vc apresenta no texto...
mininuuuu...tava morrendo de saudades daqui.
mil bjinhus
Eu amo DEMAIS este filme e ADOREI sua crítica à ele! (:
OI Renato!!
A Nanncy Meyers não é minha favorita, mas quando quero relaxar assisto seus filmes que não acho nem um pouco geniais, muito embora sejam divertidos. Gostei mais mesmo de Do Que as Mulheres Gostam (idéia tentadora) e Alguém Tem que Ceder!
Ela poderia ser uma "Woody Allen" inferior (bem inferior) e uma "Manoel Carlos"..enfim... (é dela tbm roteiros como 'Operação Cupido') pelo menos eu nunca senti tédio ao ver seus filmes. Eles são bons especialmente para se assistir perto de uma lareira e acompanhado, numa noite fria, tomando um vinho e comendo chocolate com nozes, rs!
É desde cenário e classe que a diretora adora!
Abs!
Rodrigo
Ainda bem que o desejo não tira férias. Esse eterno desejar é uma agonia danada de boa.
=*
Olha, é um dos filmes da minha estante! Bem, o que dizer depois da sua resenha?! Parabéns!
Beijos.
Oi Renato,
Retornei hoje ao meu blog e notei que publicou mesmo este filme no seu, conforme havia dito. Gostei!
Agradeço a consideração...
Beijos,
Maravilhosa sua resenha!!!
já assisti a este filme um milhão de vezes, mas nunca tinha parado para atentar que eu sou tão parecido com Iris.
muitíssimo obrigado por me ajudar a me enxergar.
abçs...
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