22.5.11

Ballet, delírio e imagens

Muitos acreditam na existência de pessoas que desde pequenas foram exclusivamente separadas e destinadas a brilhar. Para as tais, não há dificuldade ou impedimento que seja suficientemente capaz de distanciá-las deste propósito. Para dialogar a este respeito, aqueles nossos temas – um pequeno outro, corpo e linguagem – ganharão uma dimensão diferenciada em uma realidade muito particular, embalada por luzes, sons e danças. Aqui, movimentos perfeitos não serão suficientes, pois nada adiantará “se você não se entregar” a esta realidade imaginária apresentada pelo diretor Darren Aronofsky em Cisne Negro | Black Swan – 2010 |.


Representações artísticas nos serão mostradas e será possível pensar em uma  realidade imaginária a partir das dimensões da imagem. Pois bem, as imagens iniciais apresentam-nos Nina | Natalie Portman | que, entre outras bailarinas, maquiava-se diante de seu reflexo no espelho. Os pensamentos de Nina encontravam-se cativos a um discurso: “ele prometeu que prestará mais atenção em mim” – esta fala dirigida posteriormente à sua mãe | Barbara Hershey | era acompanhada da expectativa em ser premiada com um lugar de esplendor, o Cisne Negro, a raínha dos cisnes. Dentre as bailarinas, este lugar seria ostentado pela representante da pureza, simbólicamente virgem e que absolutamente buscasse a liberdade. Conforme havia comentado, movimentos perfeitos não seriam suficientes, pois para a apresentação de ballet valorizava-se primordialmente a capacidade para a entrega, que contemplava algo além do controle do próprio corpo, era o “deixar-se levar”. Este lugar – o Cisne Negro – seria apresentado ao mundo como a representação do sucesso e do brilho.


Tendo em vista a grandiosidade desta chance, parece-nos evidente que todas as bailarinas almejavam ser colocadas neste lugar. No entanto, nenhuma delas tinha a mesma mãe que Nina. “Deus sabe como eu te entendo” – esta era a mãe onisciente, aquela que, supostamente, tudo sabia sobre a filha e cuja preocupação materna primária estendia-se àquele momento. Todas as bailarinas olhavam para suas próprias imagens e, possivelmente, imaginavam como seria estar neste tão sonhado “lugar”, no entanto Nina foi a escolhida para brilhar, representando o papel principal, o Cisne Negro. A proposta do espetáculo parece-nos compreensível, assim como a imagem resplandecente de um cisne, mas o que de fato interessá-nos é uma dimensão além desta, pois esta representação nos diz sobre um lugar, uma posição desconhecida à qual Nina possivelmente seria elevada. De que lugar se trata?



No decorrer do filme será notória a presença de espelhos, os quais terão algumas funções e poderão receber diferentes significados. Logo após o recebimento da notícia de ter sido escolhida, Nina deparou-se com um espelho rabiscado com a seguinte mensagem: WHORE (prostituta, em Inglês), foi esta a dedicatória deixada. Um espelho também foi útil para que Nina detectasse um machucado em suas costas. Enquanto “a premiada”, caberia a ela uma maior disciplina afim de sustentar – e por que não suportar? – este lugar alcançado. “Um mau irá agarrá-la, ele tentará comê-la viva, mas você irá sobreviver” – esta frase revela algo além de um simples script: para apresentar-se enquanto aquela que seria colocada no lugar de esplendor – Cisne Negro – não seria somente necessário a dedicação, treino ou devoção, mas também, e principalmente, a capacidade em sustentar e sobreviver a este lugar simbólicamente marcado pelo poder e pela honra.


Sendo assim, a história mostra-nos não apenas sucessíveis ensaios e uma busca pela perfeição, mas os desdobramentos psíquicos em Nina a partir da suposição imaginária de ser colocada no explêndido lugar. O imaginário a qual me refiro diz respeito a imagem e a dimensão do corpo em sua relação com o espelho, produtor de uma imagem especular. Isto pode ser pensado a partir da constituição do bebê que cria uma imagem de si a partir do outro, de seu reflexo que, primeiramente, é apreendido como algo externo a seu corpo. Pois bem, por que a insistência nestas questões? Porque toda a construção deste filme é pautada tanto na suposição imaginária de Nina em ocupar um lugar fálico, quanto na sucessão de espelhos, que se repetirão nos mais diferentes contextos. Portanto: imaginário, espelho e um outro são temas que nortearão a compreensão que será apresentada adiante.


Os espelhos encontravam-se por toda a parte, desde as cenas iniciais no camarim das bailarinas: os ensaios eram realizados em um setting com paredes espelhadas; o insulto foi escrito em um espelho; logo na entrada do apartamento de Nina havia um espelho composto por diversas faces, além dos espelhos do banheiro e do quarto. O lugar de outro era ocupado por alguém capaz de exercer uma função, a saber, a mãe de Nina – aquela que tamponava o tempo todo. Em outras palavras, uma mãe super-protetora que posicionada em um lugar de onisciência não dava lugar ao Sujeito, a falta e ao desejo. E sendo assim, nos aproximamos àquela realidade que inicialmente foi comentado. O filme Black Swan retratá-nos o desencadeamento de um conflito psicótico a partir do confronto de Nina com uma posição de poder.


A psicose enquanto estrutura, segundo Lacan, deve ser pensada  por meio da relação do sujeito com a falta, na qual ocorre uma recusa da lei, o fracasso da experiência do recalque. Nina correspondia a fala de um outro, porém não se colocava subjetivamente enquanto um sujeito desejoso ou faltante, mas sim, delirante. O seu instrutor Thomas Leroy | Vicent Cassel | definia sua dança enquanto fria como uma geladeira e ordenava-lhe: “responda ao meu toque!”. Percebam que esta constatação de frieza e frigidez pode ser assemelhável à ausência da falta, ou melhor, a falta da falta, do desejo, de uma lei outrora recusada.


A relação de Nina com os “diferentes outros” tornou-se mais conturbada. A perda da realidade pode ser tida como agravante inicial e foi seguida por delírios e alucinações perceptivas que consistiam em tentativas de elaboração. Esta condição intensificou-se de tal modo que Nina, aos poucos, confundia  a sua própria imagem no espelho. Havia uma dificuldade de delimitação entre o eu e o outro. Além do mais, o Outro a acusava neste suposto lugar imaginário: fotografias espalhadas por um quarto passaram a “ganhar vida” e avançavam em direção a ela; ela via o seu próprio reflexo na água da banheira e assimilava-o como “um ser além de si mesma” nocivo e avassalador de modo a querer destrui-la; e o semblante de uma mulher megera irrompia-se diante dela. Com a sucessão de tais eventos, Nina tornou-se, assim, perseguida por um outro acusador que visava dominá-la de algum modo sob a ameaça de fragmentação de seu corpo. 


A psicose possui uma lógica que lhe é própria e como vimos, o delírio e a alucinação são tentativas de elaboração. O Cisne Negro não restringia-se ao lugar ocupado por Nina porque contemplava uma posição que lhe foi ofertada. A possibilidade de esplendor fez com que ela se deparasse com um lugar inimaginável e impossível de ser representado em palavras, sonhado por alguns, mas destinado exclusivamente ao delírio de uma única pessoa, àquela que sob qualquer circunstância, almejava ser perfeita.

Abraços, queridos!

Renato Oliveira

23 comentários:

renatocinema disse...

Um lindo filme, com uma atuação espetacular de Natalie Portman.

O roteiro, onde o lógico e o irreal se misturam, é o que mais me fascinou nessa ótima produção.

Belo tricô.

abraços

Anônimo disse...

Olá. Antes de assistir este filme eu tive uma imagem do filme decorrente do nome dele, mas confesso que depois que assisti ele...fiquei surpresa. Um filme que me fez pensar até onde levar o desejo da perfeição? Até o ponto da loucura? Será que vale a pena entrar em um mundo incontrolável? Será que podemos controlar o desejo da loucura de nos dominar? Filme forte, lindo e uma belíssimaaa interpretação da atriz Natalie Portman. Abraçossss.

Alan Raspante disse...

Incrível que tudo em "Cisne Negro" pode ser levado em consideração. Obtém várias abordagens e pontos de vista. a loucura de Nina em busca da perfeição é algo delirante, não sei e explicar, mas a dedicação delaé tanta e o anseio de "chegar lá"é tão forte que quando consegue alcançar, ela percebe o quão fraca é....

Um filme belíssimo em todos os aspectos possíveis :)

Anônimo disse...

Olá Renato, você descobriu a introversão na Faculdade ou na Terapia?
Esse filme é fantástico no mundo da análise. Vemos o que uma mãe pode fazer de prejudicial a um filho, devido suas projeções mau sucedidas.
O ballet é um mundo feminino, tenho acompanhado um trabalho sobre esse assunto já que tenho que trabalhar sempre o meu Feminino. Mas observo meu inconsciente, minha pura Alma quando analiso as bailarinas(os). Abraço Cynthia

M. disse...

Esse filme causou! É uma verdadeira viagem lá dentro da psiquê humana. Estava mesmo esperando seu texto sobre ele aqui. O cisne negro é cara do Cine Freud! Digno de ser analisado com toda competência pelo autor do blog,Renato Hemesath. Adorei!

Dil Santos disse...

Oi Renato, tudo bem?
Menino, achei esse filme fantástico, perfeito. E ela deu uma surtada daquelas no filme, rsrs.
Ai menino, q bom q tu gostou, rs.
Tô bem sim e tem um tempão heim? Estávamos relapsos né? srs
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Gente, como sou cara de pau, kkkkkkk
Abraços

Patricia Castagna disse...

ola!
adorei sua analise, como sempre.
lidar com a realidade não é facil e este filme mostra muito claro como uma estrutura psicotica tende a lidar com isso!

Valéria lima disse...

Um filme e tanto! Ótima escolha de hoje.

BeijooO*

Garoto Lunático disse...

simplismente: FODA!

Évelyn Smith disse...

Olá querido e caríssimo Renato! Como estás?

Obrigada pelo comentário em meu blog. Você sempre será super bem vindo por lá. A sua presença através de suas palavras preenchem o vazio do meu inexplicável ser humano que sou. E, pois é, eu escrevo há muito tempo... Fiz as minhas primeiras composições em 2001, aos meus 13 anos.

Nossa, eu acompanho o comentário do "Sr. Lunático" que está acima do meu! Rsrs... Com certeza, amei esta sua resenha!

Já viu o filme "Spider - Desafie a sua mente"? Neste filme, a história toda se baseia num homem com surto psicótico.

Eu tenho costume de ver um filme somente depois comentam algo de interessante sobre o mesmo comigo. Às vezes gosto de ver filmes que são acompanhados de debates, principalmente de debates de Psicologia. Em tempos e outros também passam uns filmes bons nos canais fechados, durante a madrugada, e aí eu vejo. O "Cisne Negro" e mais um monte de filmes eu deixei para ver nas férias de Julho. E vários filmes eu já vi depois que li as suas resenhas! É claro, né! ;-)

Pois bem, é nítido mesmo o que ocorre com Nina. O que agrava é o papel de sua mãe, gerando uma supressão de si mesma e realizando em si o poder daquela. Acredito que temos milhares de "mães" deste tipo por aí. Quantas pessoas nos fazem fazer algo por ela e através dela? Isto é preocupante, uma estrutura perversa, diria.

É isso, querido. Que o seu desenvolvimento como ser humano brilhante que és seja ainda mais ofuscante neste fim de semestre que estamos vivendo!

Tudo de bom pra ti e até mais ver!

Beijo grande,
Évelyn

disse...

Olá! Adorei seu site, muito criativo! Também tenho um blog sobre cinema e gostaria que vc desse uma olhada. O endereço é: http://www.criticaretro.blogspot.com/ Passe por lá! Lê ^_^

Pedro disse...

Que resenha equivocada e deslocada! Desculpa minha sinceridade, mas nada acrescenta frente as milhares de outras espalhadas pela net.

Espelhos e bla bla bla...
superego x ego x id bla bla bla...

"Lugar fálico"? Really? Essa expressão eh o 'Reductio ad Hitlerum' para os psicólogos amadores ou simplesmente apreciadores da área. Conselho: Não a use mais, a não ser que faça sentido.

Se não fossem os clichês em 'auxese' que Aronofsky fez questão de imprimir no filme, até seria bom. Aquela cena dela jogando os ursos de pelúcia no lixo é vergonhosa de tão óbvia! Se liga Darren.

Perdoe minha arrogância, até gosto do seu site, mas essa resenha realmente...

Francy´s disse...

Boa tarde Renato, interessante ver o filme no seu ponto de vista(analisando)quando você comenta da mãe(acho mãe um bichinho complicado rs)e a dificuldade que a protagonista tem de lidar com os seus delírios, é realmente quando a pessoa busca a perfeição(ser perfeita), é caríssimo eu pergunto o que é ser perfeito? Beijos
Tenha um excelente final de semana.

Elaine Crespo disse...

Renato!

Bom dia!

Como sempre uma magnifica abordagem do filme, que por si só já é espectacular, e comentando pelo seu prisma se torna ainda mais fascinante, já que nos ajuda na analise psicológica do filme. Ajudando a compreender melhor este universo da busca da perfeição.
Cisne negro é fantástico ou melhor ele é Nina(Natalie Portman) perfeita na interpretação do personagem. Um filme que deve ficar na história do cinema.

Um lindo domingo!

Beijos,
Elaine

Gabriel Neves disse...

Bela interpretação, sempre é bom ler algo sobre Cisne Negro. Um filme perfeito em suas diversas esferas, gosto quando você fala dos espelhos e da mãe, em minha visão a verdadeira "vilã" do filme inteiro.
Abraços.

Anônimo disse...

Certamente o melhor filme de 2010! Podíamos passar a semana inteira acordados conversando sobre ele e, ainda assim, não chegaríamos a um consenso sobre a cabeça dos personagens.

http://filme-do-dia.blogspot.com/

Insana disse...

Estava com saudades de suas palavras, meus dias sem ter o que dizer me tirou ate gosto por ler. mais volto e aos poucos recupero o que perdir..

Os contos de fadas nem sempre sao magicos

bjs
Insana

Pinecone Stew disse...

Have a SUPER week, Renato !

ANTONIO NAHUD disse...

Não consegui apreciar realmente esse filme. Até Natalie Portman - que amo - já teve momentos melhores.

O Falcão Maltês

Anônimo disse...

Sempre que quero assitir a um bom filme, passo aqui pego tuas dicas e me preparo para fins de semana como este : promete ser chuvoso!!!!
Entoces, chocolate quente e bom filme!
bjossssssss

Anônimo disse...

Gostei muito do site e achei outras críticas muito interessantes, mas essa em especial foi muito vaga. Não acrescentou muita coisa em relação aos debates sobre o filme e não tocou em pontos essenciais para a compreensão da ideia e possísel mensagem do filme. Vale a dica.

Anônimo disse...

Bom dia! Com certeza, o filme tem muito mais riqueza simbólica quanto aos planos do imagético e do mítico, já que a estrutura psicanalítica em questão é retratada de forma tão óbvia. Por essa razão, além de a crítica chover no molhado, acada se tornando redundante e pouco clara. Não consegui enxergar a questão fálica em momento algum. Além do mais, está pouco fundamenta e mal elaborada a análise sobre o espelho. Agora, o mais chocante de tudo é a péssima redação e os grosseiros problemas de escrita quanto à norma ortográfica e culta da língua portuguesa. Revisão e dicionário mandaram lembranças! Rodrigo Ségges

Anônimo disse...

só para retificar os problemas de digitação cometidos no meu post acima: acaba*, fundamentada*. Rodrigo Ségges