15.8.12

Sozinha ou acompanhada por dois?

Há inúmeras razões para justificar um casamento com comunhão de bens. E para virar um determinado filme ao avesso será preciso ter em vista esta simples proposição como eixo central. Para tanto se deve desde já considerar que as razões não serão tidas como as principais causas. A polêmica em si encontra-se em torno de noções sobre casamento, comunhão e bens. Deve-se desde então adiantar que os equívocos serão produzidos durante as tentativas de esclarecê-los. Com estes pressupostos em mente pode-se pensar que o diretor Neil Labute partiu da ideia de que uma aliança entre dois homens poderia ser concebida como solução temporariamente satisfatória a um drama. Quando dois homens decidem compartilhar um mesmo bem é certo que hilaridades e tragédias serão provocadas, podendo tornar-se explícitas por meio de verbalizações pontuais expressas no roteiro do filme Na companhia de homens | In the company of men - 1997 |.


Quando o refletir sobre as próprias frustrações torna-se ensejo para invenção um novo modo de resposta às impossibilidades. Em conversa sobre seus dissabores sentimentais, os companheiros Howard | Matt Maloy | e Chad | Aaron Eckhart | questionavam suas próprias ocupações e o lugar que assumiam na empresa e na vida 10 anos após o término da graduação. No discurso destes dois homens o feminino é apresentado como excluso de suas devidas prioridades. O término de um relacionamento servira de ocasião para produção de uma atitude de auto-sugestão – “devemos ser firmes” – conclusão esta tida como chave de todo universo. E para lidar com a falta Chad propôs uma espécie de revanche: eles elencariam uma mulher como alvo de seus investimentos afetivos, e quando esta se mostrasse suficientemente envolvida, eles “escapariam”. Neste projeto a verdade viria a posteriori e o objetivo central poderia ser resumido na sentença “vamos machucar alguém”. Sendo assim, a aliança entre estes dois homens admitia a comunhão de um único bem e a sustentação deste casamento somente seria possível em termos de uma identificação de gênero.


A filosofia que resume esta tarefa pode ser sintetizada nas palavras de Chad – “acho que seria reconfortante e terapêutico acabar com as mulheres que queremos” – destinando ao feminino um lugar-objeto. Assim, a eleita para estar na companhia de homens fora Christine | Stacy Edwards |, uma secretária surda recentemente contratada. Deve-se observar que ao mesmo tempo em que denunciavam a imperfeição naquela jovem, eles mostravam interesse em conhecer este terreno obscuro, marcado, em um primeiro momento, pela ausência de som. O mutismo neste contexto estivera relacionado com algo não simbolizado pelos executivos, de modo que eles a fizeram falar. No decorrer das semanas, Chad colocava-se nesta relação como um modelo, de modo que a Howard estava destinada a tarefa em reproduzir as intenções de seu companheiro. Ambos sustentavam a posição de querer-saber e querer-investigar.


Sobre a escolha de uma mulher surda pode-se inferir que eles supunham que ela seria incapaz de ouvir o verdadeiro discurso implícito em seus intentos, de modo que a não funcionalidade deste sentido a faria mais “objetificável” ao projeto. No entanto, pelo título deste trabalho indicam-se possíveis contradições a serem pensadas se tomarmos para análise o mirabolante plano de Chad e Howard. Afinal, conforme estabelecido, Christine se encontraria na companhia de homens. Observem que a palavra companhia detém em si a possibilidade de significados distintos: seja a ação de acompanhar, de conviver com alguém, ou, de outro modo, como sinônimo de sociedade comercial em um sentido corporativo. A companhia, portanto, admite contradições, tratando-se assim de uma espécie de trapaça do próprio significante por não possuir um significado único. 


Chad e Howard podem propositalmente serem descritos como executivos porque assumiram a demanda de executar uma atividade alienada em sua própria finalidade. O discurso manifesto de ambos que declarava a intenção de objetificar o outro não anula um discurso latente em querer dirigir-se a um outro para ser escutado em suas próprias inquietações. Se pensarmos em termos de uma contra-dição será possível assimilar que eles se orientaram por uma via oposta a seu próprio desejo, elencando aquela que não poderia ouvi-los em seu real pedido. Logo, uma mulher supostamente enfeitiçada não seria uma boa ouvinte para dois seres frustrados, contudo, ela não se manteria muda ao real endereçamento daqueles executivos.


Se o próprio significante companhia pode ser produtor de diferentes significações na cadeia discursiva, o que dizer de outros significantes produzidos na relação dos “companheiros” com Christine? O principal engano, portanto, é o do neurótico no significante, ao acreditar que o significado é fixo, colado e comum a todos. Por esta via pode-se ter a miragem de que os intentos de Chad e Howard atravessariam os princípios da linguagem. Assim, seria necessário que o último significante fosse colocado em ato para que retroativamente se extraísse um significado. Não há dúvidas, portanto, que casamentos são investimentos arriscados, mesmo quando os envolvidos compartilham de um único bem. 

Risos e chá,
Renato Oliveira

8 comentários:

Gilberto Carlos disse...

Gosto de Neil Labute, mas Na companhia dos homens ainda não vi, mas com sua resenha fiquei mais curioso ainda.

renatocinema disse...

Aprecio o estilo de Neil Labute.

Esse filme, infelizmente, ainda não assisti. Porém, depois de um texto tão feliz fica difícil não buscar a obra.

Sem falsas palavras, adorei seu texto e sua análise.

Esse é um filme que merece nos levar a reflexão...

M. disse...

Olá Renato!!!! Estava com saudades das postagens (das análises) dos filmes. Este filme eu nunca vi, mas irei sim anotar em meu caderninho para assisti-lo. Aaron Eckart em um papel como este, me deu curiosidade de assistir e ainda por ser um filme dos anos 90. Enfim, estarei de volta aqui para acompanhar os demais posts que estão por vir! Abraços.

Sônia Silvino (CRAZY ABOUT BLOGS) disse...

Vim matar a saudade deste amigo que me esqueceu!
Sabes que adoro cinema e mais ainda o teu jeito inigualável de comentar sobre os filmes.
Vou te esperar com um cafezinho: venha me visitar!
Beijocas, querido!!!

Sergio disse...

Seu comentário é espetacular! Vou procurar esse filme; obrigado pela dica e pelo carinho de sempre! Abç.

Sergio disse...

Seu comentário é espetacular! Vou procurar esse filme. Obrigado pela dica e carinho de sempre! Abç!

Évelyn disse...

Olá Caríssimo!
Sensacional o moral indireta (ou não) neste filme. Muitas vezes procuramos objetos surdos em nossas Vidas, pois eles não são capazes de ouvir aquilo que nos traz sofrimento, a nossa verdadeira história de Vida. E nem muito menos tal objeto é capaz de interferir em nossos planos, é apenas algo neutro, que serve como uma "coisa" e nada mais. Ainda o machucamos pois fomos machucados por outro objeto qualquer, e assim uma cadeia interminável toma forma. Muitos relacionamentos se baseiam nisso, infelizmente.
Tudo de bom pra você!
Beijão

ANTONIO NAHUD disse...

Olá, parceiro, depois de umas pequenas férias, O FALCÃO MALTÊS está de volta, disposto a continuar celebrando sua paixão pelo cinema clássico.

Cumprimentos cinéfilos!

O Falcão Maltês