17.10.16

abram os portões da quimera

Reduto alternativo de cinema. Se em sua cidade tem, não hesite em fazer-se “membro do clube”. Vive-se em uma época em que as pessoas estão cansadas do que se nomeia por “mesmice”, inclusive no que diz respeito às formas de ensino/aprendizagem. Aulas de Psicopatologia. Todo mundo tem que saber acerca de Foucault, dar umas memorizadas nos critérios do DSM, não tem jeito. É um conhecimento essencial, contudo, saberás assim ouvir o louco? Daniel P. Schreber, se a respeito dele não for conversado será mais um livro velho da grade de Psicologia. Ora, para ao mesmo tempo agregar valor ao clássico bem como mostrar a realidade institucional da Psicopatologia hoje que Fernanda F. Vareille dirigiu o documentário “A loucura entre nós”. Um doc. que dá lugar ao discurso de pacientes internados bem como apresenta fragmentos do cotidiano de um hospital psiquiátrico. Ademais, é certo que este trabalho é um articulador incrível com os estudos em Psicopatologia bem como com a rica bibliografia foucaultiana. 


Já que a intenção declarada é, nestas poucas linhas, prestar louvor e despertar quem aqui chegar a assistir este trabalho, vale iniciar pelo título. “Entre nós”: a escolha não poderia ser mais apropriada. A ideia de que os problemas mentais são escórias afastadas da sociedade é completamente obsoleta. Até pode-se reconhecer que não são poucos os grupos que não querem saber disso e que em sua ignorância tomam a loucura até como um problema de ordem espiritual... Mas a realidade é que ela não esta afastada. Neste documentário, retrata-se a loucura em seu cotidiano, num primeiro momento, via internação, para depois mostrar o que se chamaria de extra-muros. As filmagens foram feitas no Hospital Juliano Moreira, em Salvador/BA e o que pode ser destacado como o suprassumo deste trabalho é o lugar dado à fala do sujeito. A estrutura narrativa se pauta no depoimento de pessoas internadas, desde daquelas que se encontravam há dias no local às submetidas a um tratamento mais longo. No roteiro, especificamente, é dado ênfase às histórias de vida de Elisângela e Leonor que embora unificadas sob a nomeação “pacientes” são completamente distintas em suas singularidades. Os principais rótulos que as revelariam são deixados fora de cena, a fim de que se possa conhecê-las mediante aquilo que elas têm a dizer de suas vidas e de como era a experiência institucional. Quando os portões da quimera são abertos, podem ser dissipados alguns preconceitos bem como fazer a população pensar – até mesmo dar uma “humanizada” nas noções daqueles que, de tanto estudar sobre, se acostumaram com o sofrimento psíquico. Para além do cotidiano no hospital, é mostrado o retorno destas duas mulheres às suas casas, bem como é feito uma espécie de “diário de campo” no qual elas testemunham sobre os efeitos da medicação e a experiência de poder recomeçar. A sensação de recomeço é para muitos a principal perspectiva. 

Não precisa mencionar (todos assim escrevem enquanto já mencionam) que a abordagem humanista do tema – e não menos psicanalítica uma vez que é de sujeitos desejantes que se trata – é um dos elementos-chaves deste documentário. Nota-se que o principal mérito de sua realização esta na exposição da realidade psiquiátrica e do adoecimento psíquico enquanto fatos. Todos precisam ver isso. É oportuno para reflexão, certamente, inclusive acerca dos efeitos de medicação, bem como é material de estudo. Mais do que estudo de casos, é a análise de um fator social, ainda um desafio para quem deseja atuar nesta área. E não tem esta de que “de louco todo mundo tem um pouco”, não. O sofrimento mental é verdadeiro, embora possa ser amenizado quando o sujeito se põe a falar dele.  

Um abraço,
Renato Oliveira

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