16.7.10

Laços Eternos

O cinema francês possui um modo delicado de abordar as questões relativas aos sentimentos. Quando se trata de falar a respeito de afeto, os resultados podem ser os mais diferentes possíveis: desde aquele chororô básico até o impacto de uma experiência realista. Em Eterno Amor | Un long dimanche de fiançailles – 2004 | encontramos uma excelente ilustração sobre o significado que as pessoas são capazes de atribuir ao lugar do outro em suas vidas. Este trabalho foi o reencontro do diretor Jean-Pierre Jeunet e Audrey Tautou, a meu ver trata-se de uma composição que deu muito certo, assim como em Amelie Poulain.


O filme é ambientalizado nos anos 20 e retrata algumas consequências do período da Primeira Guerra Mundial na França. A vida de Mathilde | Audrey Tautou | foi impactada por um discurso que evidenciava o desaparecimento de seu noivo Manech | Gaspard Ulliel |, o qual havia sido possivelmente condenado à morte junto a outros quatro soldados. Esta fala a angustiou por apontar um vazio, para uma incerteza e um não-saber quanto a condição de seu noivo. Não se tratava apenas da falta em si, mas da impossibilidade em compreender os fatos anteriores. Era como se com sua morte, Manech houvesse levado os próprios sonhos de Mathilde, logo a perda do amor representava a perda do próprio eu e de sua identidade.


O roteiro do filme foi construído afim de mostrar o inconformismo de Mathilde e a sua necessidade de obter uma resposta sobre a causa do desaparecimento. Assim,  é possível acompanhá-la em suas constantes tentativas de significar um vazio. Havia algo desconhecido que a atraía e que poderia ser compreendido no encontro com um outro sujeito que supostamente tinha um saber, uma fala autêntica. Mathilde iniciou uma busca frenética afim de localizar aqueles que vivenciaram o período de guerra e que de algum modo estiveram próximos à Manech. Na esperança de obter respostas, ela procurou facilitadores que seriam responsáveis por re-escrever sua própria história de vida. Há detalhes riquíssimos que são desvendados neste movimento de busca, os quais nos fazem apreender o sofrimento de Mathilde e refletir sobre as marcas que o outro é capaz de deixar quando se distancia. 


Neste percurso de questionamento quanto a sua própria identidade, Mathilde oscilava entre períodos de luto e melancolia. Em 1917, Freud buscou diferenciar o luto da condição melancólica a partir das relações do sujeito com os outros objetos. O luto representa um período de re-estabelecimento no qual o sujeito é capaz de diferenciar o seu ego e o objeto-morto (perdido). Este momento pode ser considerado saudável por possibilitar elaborações que visam atenuar o sofrimento psíquico, possibilitando novas investidas sociais: retorno ao trabalho, amigos, estudos, etc. De outro modo, a melancolia é tida como um estado de abatimento psíquico em que não há diferenciação entre o ego e o objeto perdido, pois este se instalou no ego do sujeito. Assim, a perda do objeto é similar a perda da própria identidade. O pouco interesse em participar do mundo externo é compreensível, pois o indivíduo não consegue reconhecer-se como participante de um grupo. A condição patológica e o afastamento muitas vezes é a própria saída para a angústia, pois trata-se do encontro com a possibilidade em elaborar uma nova história a partir das marcas deixadas. 


Vimos que a angústia de Mathilde a mobilizou à busca daquele que havia marcado sua história de vida. Maior que a incerteza quanto ao destino desta jornada, era sua convicção do valor que Manech possuía. A solidão de Mathilde nos mostra que um eterno amor pressupõe o não-esquecimento do outro, pois transmite uma confiabilidade de que não haverá fim, portanto, afirma que variáveis externas não modificariam uma verdade interna.

À todos passar bem,

Renato Oliveira

32 comentários:

Carolina Louback disse...

Renato muito interessante análise de Laços Eternos elaborada por você. Ainda não vi esse filme em tempo pegarei para assisti.
Vi recentemente O morro dos ventos uivantes (e postei sobre como disse em email que faria). Pontuei sobre esse amor que precisa ser resignificado para não virar melancolia sendo arrastado como um fantasma.
Abraços

Franck disse...

Vi o filme, adoro filmes franceses... vc soube captar toda a saga vivida pela personagem! Espero que outras dicas sejam postadas em breve! Abçs!

M. disse...

Nossa!!! Me comovi com a história desse filme. A questão da perda de um ente querido é algo triste na vida do outro. Sua abordagem freudiana está excelente.

Anônimo disse...

Estou tão acostumada com filmes americanos que sinto uma certa dificuldade em abrir meus horizontes à outros tipos. Mas confesso que sua indicação me despertou interesse. Gostei mesmo.
Vou procurar mais informações e tentar arranjar este filme pra assistir.
ótimo blog, aliás. beijo

Carolina disse...

Também preciso comentar. rs

Amo filmes e livros, mas não só a fotografia, o tema e tal.

Gosto demais de determinadas falas e olhares ( atitudes) que ficam impregnadas de falas veladas. Adorooo. É o que me instiga e faz com que passe os anos e lembro de forma memorável.
The Way The Were tem vários lances destes, sacadas geniais e uma delas é a cruzada de olhares no final do filme, aquilo diz tudo.
Tem silêncios que falam mais alto que um grito.

bjão Renato!

Carolina disse...

Este filem é bárbaro.
Mostra as opções em cima da melancolia causada pela perda, nas opções de inércia ou de ação.

Muito bom!

bjão

Alan Raspante disse...

Mais um filme desconhecido para mim.
Mais um filme que eu me interessei!
Adoro a Audrey Tautou. Já assistiu 'Coisas Belas e Sujas' ? Postei esses dias em meu blog, é com ela, é um ótimo filme!
Abs.

Deia disse...

Renato, e agora? Termino de ler a sua brilhante analise do filme e fico sem saber se simplesmente fecho os olhos e monto mentalmente as cenas apenas baseada no quadro ricamente pintado por você, ou se arrisco a desilusão e assisto ao filme que lhe inspirou a fazer um post tão refinado...
Vir aqui é ter a certeza de que sairei elevada.
Acho que arriscarei... Depois, lhe conto!
Um beijo, Deia.

Srtª Poulain disse...

ainda não assistir mais pela sua descrição já deu para perceber que é imperdível assim com a. poulaim... pelo jeito a parceria de Jeunet e tatou é bastante produtiva... bjs

Ana Ponick disse...

Deve ser um puta de um filmaço pra assistir. Imagino que deve ser até triste, but... vou alugar concerteza!

;*

Valéria lima disse...

Tomara que o filme tenha a beleza que sua narrativa transmitiu.

BeijooO

Évelyn Smith disse...

Olá Renato,
De fato, é isso mesmo... Entender o outro parte do princípio de doação, acredito. Sem isso não há empatia, alteridade e nem nada do que aprendemos em Psicologia. Bom, não é preciso aprender isso na teoria, num curso, enfim, muitos sabem o que é empatizar-se sem nunca ter colocado os pés numa universidade ou até num colégio. Faço este trabalho voluntário há 1 ano e 5 meses mais ou menos. Estava precisando conhecer novos caminhos de doação nesta Vida e assim aprender a valorizar mais a minha própria Vida. Consegui o que eu queria! Embora vivemos de altos e baixos, né. Há pessoas que montam os esteriótipos dos psicólgos: somos pessoas inatingíveis e inabaláveis. Quem me dera! Confesso que seria sem graça demais viver em perfeição. Sem erros, sem tristezas, sem angústias, sem solidão não há aprenzidado.
É isso. Até breve! Tudo de bom!
Beijos. =)

Erica Vittorazzi disse...

Ah, os filmes franceses com as suas narrativas ímpares. Já reparou que o tempo é mais lento nos filmes franceses? Ou só eu acho isto?

O Grande Outro!! O amor só acontece quando você descobre que é um ser faltante e pressupõe que o outro terá o que lhe falta, grande ilusão. Mas, necessária. 'Amar é dar aquilo que não se tem, àquele que não o é'.

É perigoso ser o O Grande Outro, por tudo aquilo que você escreveu: as pessoas as incoorporam e na falta dele, perdem a própria essência.

Muitas vezes, ou sempre, nós psis somos o GRANDE OUTRO de nossos analisandos. E como nos desvencilhar deles? E eles de nós? Por isso, que Lacan, para o fim de uma análise, dá o nome de a morte do analista. Interessante, não? Porque a pessoa terá que fazer luto deste grande outro, desta figura com um suposto saber...

Como é bom te ler, Renato!!

Je t'adore beaucoup!

Anônimo disse...

Lindo...
Filme..
Lindo...
Texto...

Perdidamente...
Poesia de Florbela Espanca

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

Luciana disse...

Nossa adoro filmes gostei de ver teu Blog depois vou olhar com calma as outras postagens e links
Bom fim de semana
Abraços

Gorete . SoLua disse...

Resenha perfeita.
E filmes franceses são ótimos! Adoro.

Marcia Freddy disse...

Vendo da minha perspectiva cinematográfica, eu vejo este filme na perspectiva de uma retratação das lembranças da própria personagem no seu ponto de vista objetivo.

- um realce de um determinado detalhe.

Muito bom!

Dil Santos disse...

Oi Renato, tudo bem?
Menino, eu ñ posso dizer nada né? Pq todo os filmes q vc indica aqui são ótimos, maravilhosos, rs.
Brigado querido, pelo voto, rs.
Então, se ñ me engano, encerra em Setembro.
Super afetuoso o poema né? rs
Ótimo fds pra tu
Abraços

Érica Ferro disse...

Puuuxa, Renato... Interessante a questão do filme. Penso que, quando se entra numa melancolia profunda, é bem difícil de sair daquele caos...

[...]
Tu ama textos loucos? huahuhua
Legal!

Um abraço.

Cinzas e Diamantes disse...

Gostei do blog!

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Maria Regina de Souza disse...

Adoro o cinema francês, mas ainda não assisti a esse filme. Obrigada pela sugestão!
Um abraço

André Fabrício. disse...

Fiquei mega curioso pra ver. Muito. Mesmo.

Rodrigo Mendes disse...

Olá Renato!

Eu preciso conferir este filme. Adoro o cinema francês...a gema vem de lá né, rs!

simplesmente acho a Audrey Tautou encantadora, linda e sou muito fã do ator Gaspard Ulliel (representa muito bem a França, rs).

Te linkei no Cinema Rodrigo!

Abs,
Rodrigo

http://cinemarodrigo.blogspot.com/

Nathália Azevedo disse...

Cinema francês me encanta extremamente!

E eu simplesmente apaixonei pelo teu comentário lá no blog...
Acredito nisto dos reflexos serem mais do que apenas projeção... Perfeito!


Beijos, querido.
Boa quarta-feira!

Juci Barros disse...

Como sempre um post excelente. Posso afirmar que teu blog é um dos de melhor conteúdo que leio, e me auxilia bastante em termos de perspectivas para minhas reflexões, inclusive acadêmicas. Parabéns!
Beijos.

Anônimo disse...

Oi Renato!
Como sempre vc consegue instigar...acho que vi algumas partes, mas o seu texto me chamou a atenção, vou assisti-lo com a atenção que ele merece...
Abraço!

Carolina Rezende disse...

Reeeeee, que saudade de trocar mensagens com vc! UHSAAUH Ai cara, eu tô num ócio misturado com preguiça de responder a todos... Ainda te devo uma resposta pelo Orkut. Aqui é complicado pq a conta do Blogger é diferente da do Orkut, ai eu tenho que sair de uma, entrar em outra, e eu sou muito preguiçosa... Mas enfim, sintetizando uma resposta.

Aliááás! Esses dias, depois de séculos querendo, eu assisti Amélie Poulain!!! Que filme mais lindo... Cada detalhe, o filme é tratado com uma sutileza apaixonante! (Lembrei de vc quando assisti, e lembrei de te contar por este seu post).

E como vai a faculdade? Minhas aulas voltam semana que vem, merde. E nem fui aí pra SP nessas férias D: E eu preciso baixar os filmes da Audrey! Aaah! Vou pirar, tanta coisa que eu tenho que assistir e não assisti nessas férias... E, afinal, vc assistiu Barbarella, Pulp Fiction e Crepúsculo dos Deuses?! hahah

Eu tô aos poucos atualizando o Minhocas... Isso do meu e-mail do Blogger ser diferente pra Orkut e blog me torra.

Beijooos e desculpa a infinita demora! AUHSHAU Não quero perder contato contigo...

celinamissura@hotmail.com disse...

òtima a sua linha de análise. Adorei!

Anônimo disse...

Adoro os filmes franceses!
É o tipo de filme que não acaba quando terminam (hehehe), por serem profundos e cheios de detalhes, eles ficam por muito mais tempo na minha mente me fazendo pensar.
Um dos que mais gosto é "A fraternidade é vermelha", que faz parte da trilogia das cores em homenagem aos ideais franceses...perdi as contas de quantas vezes assisti esse filme.

Adoro suas análises sobre os filmes, venho sempre aqui!

Bjs

Florentina Anacleto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Florentina Anacleto disse...

Gostei bastante da tua crítica sobre o filme "Un Long Dimanche de Fiançailles", principalmente porque eu andava à procura do nome desse filme e queria vê-lo à já algum tempo. Sou uma fã do Gaspard Ulliel.

Para mim o Despertar da Mente é um óptimo filme, não é perfeito, mas tem momentos muito bons.

:D

Anônimo disse...

tô penando pra juntar a legenda ao filme aqui ):
alguém poderia me ajudar? :}